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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

"Artimanhas de classe": Obstáculos à vivência do voto de pobreza (parte 2)*


No final deste texto, o autor enumera possíveis “artimanhas de classe” que provocam faltas, mais ou menos graves à vivência da pobreza na vida consagrada em geral (neste ponto iremos descrever literalmente o que o autor cita):


1. De pessoas que vem da classe média alta:

1.1. A pessoa está tão apegada ao que tem que encontra dificuldades em compartilhá-lo com os outros, gerando seu ‘pecúlio’ (mesada ou, modernamente, talão de cheques ou cartão de crédito particulares) e seu ‘mundinho’ de amizades exclusivas.

1.2. A pessoa que renunciou às suas coisas pode, assim, ser muito sensível diante das faltas dos companheiros em matéria de pobreza. Ela se sente enganada quando algum companheiro de extração social inferior à sua tem coisas ou usa recursos de que ela se desprendeu.

1.3. Fervores indiscretos: pode ocorrer que, por ter escrúpulos com relação ao seu estilo de vida passado, a pessoa se exceda em termos de pobreza e chegue a ponto de descuidar-se de si, ou então venha a ser, como se disse em b, juiz dos outros.

1.4. Complexos de inferioridade: a pessoa se sente estigmatizada por vir de uma classe social que se identifica com os opressores do povo.

1.5. A pessoa acredita que sua extração o torna, desde o começo, pior que os outros.

1.6. Compensações: busca de pequenas compensações, que justifica por ter-se desprendido de muitas de suas posses anteriores.

1.7. Acomodação: tentativa de manter o máximo possível seu antigo estilo de vida. A pessoa busca sempre o melhor para si: alimentos, entretenimentos, amizades. Não mostra ter rompido com seu passado.

1.8. Conformismo: como baixou de nível econômico, a pessoa pensa já ser pobre e não procura radicalizar mais sua pobreza.

1.9. Atitudes de ‘menino rico’: muito preocupado com o que come, onde dorme etc. Trata em algumas ocasiões os empregados como criados e é de modo geral muito ‘condescendente’ e paternalista com os pobres.


2. De pessoas que vem da classe média:

2.1. Tendência a aburguesar-se, busca sistemática de ter ou usar tudo aquilo que não possuía antes ou a que não tinha acesso. Sua atitude é de ‘subir de status’.

2.2. Indiferença diante dos pobres: reprodução, em sua vida pessoal e em seu trabalho apostólico, das atitudes próprias de sua classe, sobretudo de indiferença diante do sofrimento dos pobres. Embora haja uso da retórica do ‘compromisso com os pobres’, os sentimentos não estão com eles.

2.3. Usar o prestígio da Companhia [congregação] ou o compromisso com os pobres para se sobressair diante dos outros ou para obter engrandecimento social e prestígio. Uso da plataforma da Companhia [congregação] não para servir, mas para alcançar maior status social.


3. De pessoas que vem da classe pobre:

3.1. Saída da classe social: assunção de formas de vida e de ideologias que não são as de sua classe. Esquecimento das próprias raízes.

3.2. Acumulação: diante da incerteza, da ansiedade e da angústia em que viveu sua cotidianidade, a pessoa aproveita todas as oportunidades de acumulação que se apresentarem.

3.3. Aproveitamento dos recursos: uso de recursos para ter tudo o que não pôde ter antes ou para experimentar aquilo a que antes não tinha acesso. O uso excessivo de carros, telefones etc. é típico. Mais típico, e sobretudo mais perigoso, é contudo o uso em benefício próprio do prestígio e do poder da congregação.

3.4. Comparação com os outros: compara-se com os outros a fim de justificar o monopólio e o uso excessivo dos recursos. Pode haver complexos de inferioridade ou recusa visceral de companheiros de extração social mais elevada.

3.5. Auto-estima viciada: acreditar que, por vir de família pobre, é melhor que os outros. Crê que a pobreza anterior à vida consagrada dá direito a se tornar juiz dos outros e a ter sempre razão.


O autor recorda que, para superá-las, é primordial apegar-se ao triângulo fundamental: amadurecimento pessoal, experiência do Deus da justiça e da ternura, e o vínculo direto com os pobres e suas lutas, conforme o esquema a seguir:

* Resenha feita por Júlio Caldeira a partir de: CABARRÚS, Carlos R. Seduzidos pelo Deus dos pobres: os votos religiosos a partir da justiça que brota da fé. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. p. 60-66.



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