Missionário da Consolata na Colômbia e no Equador...

quarta-feira, 31 de março de 2010

Lectio Divina: Ressuscitou - Páscoa do Senhor - João 20, 1-9

Por Patrick Silva

No primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Ela saiu correndo e foi se encontrar com Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele que Jesus mais amava. Disse-lhes: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”. Pedro e o outro discípulo saíram e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, e o outro discípulo correu mais depressa, chegando primeiro ao túmulo. Inclinando-se, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. Simão Pedro, que vinha seguindo, chegou também e entrou no túmulo. Ele observou as faixas de linho no chão, e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus: este pano não estava com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. O outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também, viu e creu. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos. (João 20, 1-9)

1. LECTIO – leitura
Estamos perante uma narrativa atraente. O corpo de Jesus desapareceu e Maria Madalena é a primeira a fazer essa constatação. A passagem destaca dois discípulos, Pedro e outro discípulo, que a tradição identifica como sendo João, o discípulo amado. O texto começa com uma indicação cronológica, mas que deve ser entendida em chave teológica: “no primeiro dia da semana”. Significa o início um novo tempo – o da nova criação, o da Páscoa definitiva. A corrida rumo ao túmulo e as conclusões dos dois discípulos “animam” o resto da passagem. O narrador diz que João acreditou, de imediato, que Jesus ressuscitara, simplesmente ao ver a roupa abandonada na sepultura. Mas, o que é que fez com que João acreditasse que Jesus estava vivo? Alguns comentaristas acreditam que foi o modo com que a roupa foi deixada na sepultura, a qual estava num estilo que João reconhecia como sendo o estilo deJesus. Quem deixou a roupa daquele jeito não poderia estar morto, mas sim vivo. Então, Jesus tinha que estar vivo. Este é o primeiro encontro de João com o Cristo ressuscitado. Será que João partilhou esta sua convicção com Pedro? Não sabemos! Tudo o que é dito é que os discípulos ainda não entendiam a escritura, que afirmava que Jesus devia ressuscitar dos mortos, mas seu entendimento iria mudar em breve. Interessante notar que cada pessoa faz uma experiência de fé diferente do outro, uns correm, outros caminham, o importante é fazer essa experiência. A experiência do encontro com o Ressuscitado transformou radicalmente a vida daquele grupo dos seguidores de Jesus. O testemunho ocular desses discípulos é fundamentais para a fé dos cristãos. Eles sabiam que Jesus morreu na cruz, eles sabiam exatamente onde ele foi sepultado e cada um pessoalmente, encontrou-se com o Cristo ressuscitado. Esses encontros com o Senhor ressuscitado confirmaram sua crença de que ele era de fato quem ele disse ser: o Messias prometido, o Filho de Deus.

O Evangelho coloca-nos diante de duas atitudes face à ressurreição: a do discípulo obstinado, que se recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor total e a doação da vida não podem nunca ser geradores de vida nova; e o discípulo ideal, que ama Jesus e que, por isso, entende o seu caminho e a sua proposta – a esse não o escandaliza nem o espanta que da cruz tenha nascido a vida plena, a vida verdadeira. Esse “outro discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo ideal, que está em sintonia total com Jesus, que corre ao seu encontro com um total empenho, que compreende os sinais e que descobre (porque o amor leva à descoberta) que Jesus está vivo. Ele é o paradigma da “pessoa nova”, recriada por Jesus.

2. MEDITATIO – meditação
+ Imagine-se presente naquele primeiro dia da semana após a crucificação de Jesus. Acordar, tentando comer e beber, e indo com Maria Madalena, Pedro e João para o túmulo. O que é que você pensa e sente ao ver o túmulo vazio?
+ Como explicaria a alguém que não segue a Jesus, o porquê os acontecimentos que tiveram lugar na primeira Páscoa ainda são tão importantes hoje.
+ A ressurreição de Jesus prova precisamente que a vida plena, a vida total, a libertação plena, a transfiguração total da nossa realidade e das nossas capacidades passam pelo amor que se dá, com radicalidade, até às últimas conseqüências. Você tem consciência disso? É nessa direção que conduz a caminhada da sua vida?

3. ORATIO – oração
A Páscoa é o dia mais alegres do calendário da igreja. As palavras do anjo continuam ecoando em nossos corações: “Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!” (Mateus 28,6). Faça o seu próprio louvor e manifeste a sua alegria e agradecimento a Deus.

4. CONTEMPLATIO – contemplação
“Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados com ele, cheios de glória (Colossenses 3,1-4). O texto afirma que em Cristo temos vivido a nossa própria "ressurreição", uma nova vida espiritual. Reflita sobre o que significa ter a sua vida "escondida com Cristo em Deus". Pense nas coisas do alto, em vez de preocupações terrenas.

5. MISSIO - missão
“A semana da Páscoa é repleta de alegria. Por isso, a Igreja manda-nos gritar entusiasticamente: Aleluia! Aleluia! Jesus ressuscitou para nunca mais morrer”. José Allamano

disponível semanalmente em: http://www.imconsolata.org.br/

segunda-feira, 29 de março de 2010

MENSAGEM: O valor do tempo

Imagine que você tenha uma conta corrente e a cada manhã acorde com um saldo de 86.400 reais. Todas as noites o seu saldo é zerado, mesmo que você não tenha conseguido gastá-lo durante o dia. O que você faria?

Você iria gastar cada centavo, é claro!

Todos nós somos clientes desse banco de que estamos falando. Esse banco se chama tempo.

Todas as manhãs é creditado, para cada um, 86.400 segundos.

Todas as noites o saldo é debitado, como perda. Não é permitido acumular saldo para o dia seguinte. Todas as manhãs sua conta é reiniciada, e todas as noites as sobras do dia se evaporam.

Não há volta. Você precisa gastar vivendo no presente o seu depósito diário. Invista, então, no que for melhor para a saúde, a felicidade e o sucesso! O relógio está correndo. Faça o melhor para o seu dia-a-dia.

- Para você perceber o valor de um ano, pergunte a um estudante que repetiu na escola.

- Para que você perceba o valor de um mês, pergunte a uma mãe que teve seu bebê prematuro.

- Para você perceber o valor de uma semana, pergunte a um editor de um jornal semanal.

- Para você perceber o valor de uma hora, pergunte aos amantes que esperam para encontrar-se.

- Para você perceber o valor de um minuto, pergunte a uma pessoa que perdeu o trem.

- Para você perceber o valor de um segundo, pergunte a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente.

Valorize cada momento que você tem! E valorize mais porque você deve dividi-lo com alguém, gastá-lo com alguém.

Lembre-se: o tempo não espera por ninguém...

(autor desconhecido)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Presidente de El Salvador homenageia dom Oscar Romero

Discurso do Presidente de El Salvador, Maurício Funes, pedindo perdão à família, ao povo salvadorenho, à Igreja e às famílias afetadas pelo assassinato de Dom Oscar Romero:

Senhoras e Senhores,

Hoje, como todos vocês sabem, nos une neste lugar a eterna recordação de Dom Oscar Arnulfo Romero, líder espiritual da nossa Nação.

Estou profundamente comovido em poder partilhar este dia com vocês, porque muitas vezes em minha vida eu pensei que a nossa Pátria não alcançaria nunca a paz se não recuperássemos a memória de Dom Romero. O que jamais imaginei era que eu mesmo seria um dos protagonistas desta recuperação, ao dirigir o destino do país.

Queria dizer-lhes, em primeiro lugar, que este é um dia de dor, sem dúvida, porque está viva, em nossos corações, a lembrança do cruel assassinato de nosso bispo mártir; mas também, e principalmente, é um dia para a celebração da vida, para a reivindicação da figura e da obra do homem mais importante de nossa História recente.

Como eu disse em outra ocasião: não recordamos nem celebramos a morte de Dom Romero. Honramos a vida, sua vida, o maior exemplo que temos as salvadorenhas e salvadorenhos.

Hoje, 24 de março de 2010, é um dia de esperança para nosso povo e um dia histórico para a recuperação da nossa memória coletiva. Para que seja assim começarei expressando publicamente algo que deveria ter sido dito antes, mas que hoje é minha responsabilidade dizer. Uma responsabilidade que não pesa sobre mim, porque sei que alivia à sociedade, que é um bálsamo para um povo cansado de violência e que anseia pela reconciliação dos espíritos.

Queridos salvadorenhos e salvadorenhas,

Em nome do Estado salvadorenho, como Presidente da República, reconheço que o arcebispo de El Salvador, Oscar Arnulfo Romero Galdamez, no dia 24 de março de 1980, foi vítima de violência ilegal que perpetrou um esquadrão da morte. Este tipo de grupos armados ilegais exerceu o terror generalizado entre a população civil durante aqueles anos infelizes, deixando milhares de vítimas. Esses esquadrões, infelizmente, atuaram sob a cobertura, colaboração, obediência ou participação de agentes estatais.

Os integrantes do violento grupo que consumou o assassinato de Dom Romero já havia sido identificados por agências internacionais de investigação, tanto do sistema das Nações Unidas,como do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Nosso governo já reconheceu a validade jurídica destes relatórios diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que torna inquestionável o nosso reconhecimento oficial da verdade no caso do assassinato de Dom Romero.

Nestas circunstâncias e na qualidade de Presidente da República, peço perdão, em nome do Estado salvadorenho, por esse assassinato perpetrado a 30 anos.

Peço perdão, em primeiro lugar, à família de Dom Romero, a quem faço chegar minhas mais sinceras condolências e meu apoio institucional na sua luta pelo esclarecimento da verdade.

Peço perdão ao povo salvadorenho que foi, é e será a “grande família” de Dom Romero, seu herdeiro, o guardião da sua pregação e de seus ensinamentos.

Peço perdão à Igreja Católica, salvadorenha e universal, que tem Dom Oscar como um de seus mais exemplares pastores.

Peço perdão às milhares de famílias afetadas por este tipo inaceitável de violência ilegal e, especialmente, aos membros das comunidades religiosas que são representados pelo espírito de Dom Romero e que mantêm vivo seu legado de paz e de respeito aos direitos humanos.

E repito o que disse no dia 16 de janeiro passado, ao pedir perdão pelas aberrantes violações dos direitos humanos durante o conflito armado por parte de agentes do Estado. Nos comprometemos a colaborar com a Justiça, tanto a nível nacional como internacional, e colocaremos tudo o que seja necessário a sua disposição para o esclarecimento dos crimes investigados.

Queridos salvadorenhos e salvadorenhas,

Ninguém como Dom Romero soube falar-nos do perdão. Ninguém como ele soube dizer a este povo sobre a importância do amor ao próximo, o respeito pela dignidade humana e a convivência pacífica acima de tudo, inclusive da própria vida. Ninguém como ele nos ensinou o valor da verdade e da justiça, que são pilares da doutrina social da Igreja.

Permitam-me citar uma de suas homilias, pronunciada em 19 de junho de 1977: “Eu entendo – nos dizia então Dom Romero – que é difícil perdoar depois de tantos abusos; e, no entanto, está é a palavra do Evangelho: ‘Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam e perseguem; sede perfeitos como vosso Pai celeste que envia sua chuva e ilumina com seu sol aos campos dos bons e dos maus’. Que não haja ressentimentos no coração”.

Estas foram suas palavras: “Que não haja ressentimentos no coração”.

Essas palavras resumem o significado que para mim e para meu governo tem este dia. É meu maior desejo que este ato de reconhecimento que hoje realizamos, este ato de amor do povo salvadorenho ao sacerdote que deu sua vida por ele, sirva para levar consolo e confiança no futuro a todos e a cada um de nossos cidadãos, e nos ajude a desfazermos de uma vez por todas do ressentimento.

Sigamos os ensinamentos de nosso líder espiritual, olhemos para frente com a paz em nossos corações, com amor a nossos irmãos e irmãs. Façamos, finalmente, que esse sacrifício de nosso bispo mártir tenha sentido. Construamos, a partir da memória reparada, um país mais justo para todos, mais feliz para todos. Um país, finalmente, mais perto de Deus.

Amigos e amigas,

Vamos inaugurar agora um mural. Uma obra que é uma expressão artística, uma interpretação de um artista salvadorenho da nossa figura de nosso mártir. A idéia de fazer esta obra aqui, na porta de entrada e saída internacional do país, é de minha querida esposa Vanda e tem a intenção de dizer aos que está a nos visitar que El Salvador honra a memória de Dom Romero. Que El Salvador passa pelo caminho da reconciliação. Que El Salvador partilha com a comunidade internacional o pleno respeito pelos direitos humanos. Que El Salvador ingressou no caminho da paz, da concórdia e da unidade para não mais sair.

A obra foi realizada por Rafael Varela, que foi ajudado por outro artista salvadorenho, Rafael Escamilla. Eles trabalharam 45 dias, com uma média diária de 18 a 19 horas. Foi um grande esforço que quero destacar. Mesmo para o próprio artista, que disse “ter elaborado neste mural, com grande satisfação, me permitindo conhecer mais sobre Dom Oscar. Foi uma honra pintá-lo e agradeço à Presidência por haver-me dado este privilégio”.

A honra é para a Presidência, querido amigo Varela, por haver contado com seu talento para imortalizar esta homenagem. Sou eu, é minha esposa Vanda, é o governo de El Salvador que agradecem a você por sua grandeza, humildade e, naturalmente, pela sua obra. Com este mural, com outras atividades que têm sido realizadas desde os dias anteriores, com um concerto que será realizado esta noite no Teatro Nacional, celebramos a memória de Dom Romero.

Obrigado Rafael Varela e Rafael Escamilla. Obrigado a todos aqueles que organizam estes atos. Obrigado à Fundação Monsenhor Romero, à Secretaria de Inclusão Social. Obrigado a todos vocês, por nos acompanhar neste dia histórico, dia de esperança, como eu disse.

Que Deus abençoe a todos; que Deus abençoe a El Salvador.

El Salvador, 24 de março de 2010 (30 anos do assassinado de Dom Oscar Romero)

Tradução: Júlio Caldeira, imc (Revista Missões):
Em: http://www.revistamissoes.org.br/artigos/ler/id/862

Vídeo sobre o assunto: Presidente Funes Pide Perdon Por El Asesinato de Monseñor Romero

quarta-feira, 24 de março de 2010

30 anos do martírio de Oscar Romero

Por: Fernando Altemeyer Junior é teólogo, doutor em ciências sociais, professor nas Faculdades Claretianas, na UNISAL, na EDT e na PUC-SP.


É preciso reavaliar a pessoa de dom Romero, a trajetória de sua vida, sua coerência pessoal e evangélica e o sentido da morte deste mestre da fé, da verdade e da caridade.


Em 24 de março de 1980 um bispo é assassinado durante o ofertório da missa enquanto celebrava a Eucaristia em memória de dona Sarita Jorge Pinto, com sua família e os doentes de câncer do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador, na América Central. Seu nome é Oscar Arnulfo Romero y Galdamez.

Com a alteração profunda da conjuntura eclesial, a Igreja Católica não pode esquecer aquele que foi um filho legítimo do Vaticano II, de Medellín e sobretudo das decisões de Puebla. Este grande bispo mártir viu a realidade dura de um povo mergulhado em uma guerra, reconheceu e assumiu seu papel estratégico como pastor de uma Igreja perseguida, e em plena sintonia com a mensagem de Cristo, constituiu-se em paradigma fiel do agir da Igreja feita opção pelos pobres e servidora do Reino de Deus. Suas últimas palavras foram premonitórias: “unamo-nos, pois, intimamente na fé e na esperança a este momento de oração por dona Sarita e por nós”.

Beatificação

Segundo a Agência de Notícias Zenit, a Conferência Episcopal de El Salvador (CEDES) no dia 28 de janeiro de 2010, pediu em carta ao papa Bento XVI a “rápida conclusão” do processo de beatificação do arcebispo Oscar Arnulfo Romero. Em sua primeira reunião anual de 2010, os bispos salvadorenhos decidiram encaminhar o pedido em uma carta endereçada a Bento XVI. “Uma decisão importante” tomada durante a reunião “foi a de encaminhar uma carta ao Santo Padre expressando o interesse de nossos pastores em uma rápida conclusão do processo de beatificação de Dom Romero”, disse dom Gregorio Rosa Chávez, bispo auxiliar de San Salvador. O arcebispo de San Salvador, dom José Luis Escobar anunciou que a Igreja iniciará as celebrações em memória de dom Romero com algumas jornadas de reflexões. O atual arcebispo recomendou também aos salvadorenhos que orassem e promovessem o “culto pessoal”, para favorecer a beatificação de dom Romero.

“Gostaria de fazer um apelo à oração”, disse ele. “Quando alguém é beatificado, é porque esta é a vontade de Deus”. Em coletiva à imprensa, o prelado disse que o processo estaria “em fase avançada”. Neste contexto, pediu aos fiéis que “roguem a Deus sob a intercessão de dom Romero”, e que deem seu testemunho de graças, favores e milagres recebidos. O prelado disse esperar que o processo se desenvolva em um ambiente “sereno”, livre da influência de questões políticas e sociais. “Pedimos, em diversas ocasiões, por um extremo respeito à causa de dom Romero”, explicou.

A Comissão para a Verdade, instituída para investigar os crimes políticos cometidos dura nte a guerra civil salvadorenha (1980-1992), declarou, num relatório divulgado em março de 1993, que o provável mandante do assassinato teria sido Roberto D’Aubuisson, fundador do partido conservador de direita Alianza Republicana Nacionalista (ARENA).

Dom Romero denunciava diariamente as injustiças contra a população e os assassinatos políticos perpetrados pelos “esquadrões da morte” pagos pela elite salvadorenha com o apoio do governo dos Estados Unidos, e pedira na semana anterior à sua morte que os soldados não mais obedecessem às ordens de matar seus irmãos. Esta foi sua sentença de morte.

Testemunhos

Na Conferência de Aparecida, a Igreja Católica não traiu a memória de dom Romero em seu serviço aos pobres. O documento final declarava solenemente: “Comprometemo-nos a trabalhar para que a Igreja latino-americana e do Caribe continue sendo, com maior afinco, companheira de caminho de nossos irmãos mais pobres, inclusive até ao martírio”. Ao testemunhar a fé dos mártires, lembra diretamente pessoas como dom Oscar Romero, e a Igreja que confirma com sangue a fé em Cristo. Esta Igreja sela com sangue o que assinara com a tinta. A missão da Igreja não se cristalizou no passado. Transmitiu o legado e o atualizou cri ativamente. Cultiva as sementes atenta aos novos sinais dos tempos, acompanhando a ‘floresta que cresce’ pela graça de Deus no meio das comunidades dos cristãos. Este era o trabalho diário de Romero. Por isso muitas capelas e centros comunitários já levam seu nome, à espera ansiosa de sua beatificação. É preciso reaprender as lições de Romero e buscar proclamar sua profecia. É preciso reatar sempre o casamento entre a Igreja e os pobres.

Se pudéssemos classificar as testemunhas recentes diríamos que temos: os santos que assumiram a boa-notícia em sua vida (gente como dom Hélder Pessoa Câmara, dom Luciano Mendes de Almeida, dom Ivo Lorscheider e nosso querido intelectual Alceu de Amoroso Lima); os leigos mártires (gente como Verino Sossai, de Nova Venécia, Francisco, de Pancas, Purinha, de Linhares, Santo Dias da Silva, de São Paulo, Paulo Vinhas, de Vitória e, centenas de mulheres e homens cristãos, do mundo rural e urbano); os sacerdotes e bispos profetas e mártires (citamos dom Enrique Angel elli e dom Oscar Romero), e enfim, as religiosas que misturaram seu sangue ao da terra que tanto amaram e a Deus que quiseram servir até o fim (lembramos Dorothy Hazel, Ita Ford, Jean Donovan, Maura Clarke, Adelaide Molinari, Cleusa, e recentemente Dorothy Stang, entre dezenas de mulheres consagradas).

Toda obra espiritual procede da missão e não da função. O lema de dom Romero bem o exemplifica: Sentir com a Igreja. Quanto mais nos aproximarmos dos pobres e de Deus, tanto mais fecundos seremos. Esta foi a lição e a pregação de dom Romero. Quanto mais pobres, mais ricos. Quanto menos, mais. Quanto mais desafios assumirmos na Igreja dos pobres, mais esperança teremos e seremos. Quanto mais esperança, mais desafios devemos assumir. Os pedaços de pão que um homem oferece a outro são sacramentos de comunhão. Como disse Simone Weil em seu livro Attente de Dieu: “No amor verdadeiro, não somos nós que amamos os sofredores em Deus, mas é Deus em nós quem ama os sofredores. Aquele que dá pão a um esfaimado pelo amor de Deus não será agraciado pelo Cristo. Ele já terá recebido seu salário por esse seu pensamento. O Cristo agradece àqueles que não sabem a quem eles dão de comer” (p.111). Servir a Cristo sem saber que estamos diante d’Ele. Sem medalhas, nem comendas. Servir pelo amor gratuito e generoso de Deus ao povo por Ele amado. Assim viveu o arcebispo de San Salvador, como Bom Pastor. Por esta causa fundamental morreu, e por este testemunho fiel será lembrado como fiel servo do Cristo Salvador.

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A Igreja Católica em todo o continente da América Latina possui 425.599.389 milhões de fiéis, reunidos em 800 dioceses, 31.530 paróquias, 104.331 centros de evangelização, coordenados por 1.201 bispos, 66.684 sacerdotes, 10.302 diáconos permanentes, 5.484 irmãos, 129.813 irmãs e 1.350.495 catequistas.

A Igreja de El Salvador que sempre foi a razão de ser de toda a vida de dom Romero é bem pequenina, mas, muito vigorosa em sua fé e sua fidelidade a Cristo Salvador. Ela é composta por 5.029.704 de católicos (79,87%), nove circunscrições eclesiásticas, 12 bispos, 765 sacerdotes, dois diáconos permanentes, 70 irmãos, 1.632 irmãs e 7.534 catequistas, que se reúnem em 828 centros de pastoral.

Este artigo foi publicado na edição Março 2010 da revista Missões (www.revistamissoes.org.br)

Lectio Divina: Recebendo o Rei - Domingo de Ramos (Lucas 19, 28-40)

Por Patrick Silva

Depois dessas palavras, Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém. Quando se aproximou de Betfagé e Betânia, perto do monte chamado das Oliveiras, enviou dois de seus discípulos, dizendo: “Ide ao povoado ali na frente.

Logo na entrada encontrareis um jumentinho amarrado, no qual ninguém nunca montou. Desamarrai-o e trazei-o aqui. Se alguém, por acaso, vos perguntar: ‘Por que o desamarrais? ’, respondereis assim: ‘O Senhor precisa dele”. Os enviados partiram, e encontraram tudo exatamente como Jesus lhes havia dito. Quando desamarravam o jumentinho, os donos perguntaram: “Por que estais desamarrando o jumentinho?” Eles responderam: “O Senhor precisa dele”.

E o levaram a Jesus. Então puseram seus mantos sobre o jumentinho e ajudaram Jesus a montar. Enquanto Jesus passava, o povo ia estendendo seus mantos no caminho. Quando chegou perto da descida do Monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus por todos os milagres que tinham visto. Todos exclamavam: “Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!” Do meio da multidão, alguns dos fariseus interpelaram Jesus: “Mestre, repreende teus discípulos!” Ele, porém, respondeu: “Eu vos digo: se eles se calarem, as pedras gritarão”. Lucas 19, 28-40 (Poderá ler também os textos Lucas 22, 14 a 23,56)

1.  LECTIO – leitura
  Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da Semana Santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último ato do programa anunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de pessoas novas, livres, onde todos serão irmãos e irmãs no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que esse Reino se espalhe por toda a terra e seja acolhido no coração de todos.
  Começamos a Semana Santa com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Um evento carregado de imagens simbólicas e muito significativo. Ponto de partida de Jesus, no Monte das Oliveiras, é particularmente significativo porque está associado a escritura com a vinda do Senhor (Zacarias 14:4). Lucas começa por descrever a prestação notável de um jumentinho para Jesus dar entrada na cidade. Os discípulos saem para atender aos pedidos de Jesus e “encontraram tudo exatamente como Jesus lhes havia dito” (versículo 32). Lucas simplesmente dá-nos estes detalhes, sem qualquer outro comentário, Mateus, por seu lado (21:5), interpreta isso como o cumprimento da profecia de Zacarias (Zacarias 9,9-10). Zacarias proclama um Rei que vem com um Salvador, o qual vem montado num jumentinho. Jesus está no controle e está plenamente consciente daquilo que seus últimos dias na Terra irão trazer.

Pessoas espalham suas capas no caminho diante de Jesus, uma saudação habitual para um rei ou pessoa importante vitória (veja 2 Reis 9:13). Eles saúdam o rei “que vem em nome do Senhor" (versículo 38) e fazem recordar as palavras dos anjos no nascimento de Jesus (Lucas 2,13-14).

Esta é a última coisa que os fariseus queriam que acontecesse. Eles não aceitam a Jesus e seu ensinamento e querem impedir que outros o sigam. Nada poderia ser pior do que estas barulhentas boas vindas. Os Fariseus também temiam uma intervenção dos soldados romanos para por fim aquela manifestação, assim pedem a Jesus para por fim à manifestação. No entanto, a resposta de Jesus (versículo 40) indica que a manifestação do povo estava correta e adequada. Na verdade, a ocasião assim o exigia. Se as pessoas não cumprissem este requisito, então, Deus faria com que as pedras de Jerusalém gritassem louvores.

Entrada dramática de Jesus não poderia ter vindo em pior hora para os fariseus. Jerusalém estava repleta de peregrinos que vieram para celebrar a Páscoa (Lucas 22,7). Mateus (21,10) nos diz: "Quando Jesus entrou em Jerusalém, a cidade inteira ficou em alvoroço. ‘Quem é ele?’ O povo questionou".

2. MEDITATIO – meditação
+ Misture-se com a multidão e imagine como terá sido este evento, escute as vozes, os gritos, a aclamação, sinta a alegria... Enriqueça a sua compreensão do evento com a leitura do mesmo episódio escrita nos Evangelhos de Mateus 21:1-11, Marcos 11:1-11 e João 12:12-19.
+ Considere o contraste entre o jumentinho humilde em que Jesus está montando e as boas vindas como herói. O que é que isso nos diz?
+ Reflita sobre alguns dos milagres e “obras grandiosas” que Jesus realizou em sua caminhada até Jerusálem.
+ Para seu crédito, os discípulos seguiram as instruções de Jesus sobre o jumentinho. O que podemos aprender com isso? Você está disposto a obedecer a Deus, mesmo quando você não entender completamente por que ele está pedindo para você fazer alguma coisa?

3. ORATIO – oração
Escreva seu próprio salmo de agradecimento a Deus ou simplesmente manifeste o seu louvor ao Salvador maravilhoso.

4. CONTEMPLATIO – contemplação
Contemple em reverência a humildade que Jesus revelou de forma tão eloquente em Filipenses 2,6-11. Proclame em mantra, "Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai".

5. MISSIO - missão
“Precisamos de pessoas generosas, enérgicas e perseverantes. São dons que Deus concede a quem o ama. São características do missionário”. José Allamano

terça-feira, 23 de março de 2010

Dom Oscar Romero. Mártir da Igreja e ícone da luta por justiça

Por: Mônica Bussinger (Jornalista - Jornal de Opinião)

Os 30 anos do assassinato do bispo de San Salvador são lembrados como sinais de esperança na América Latina e no mundo.

Um atirador de elite do Exército salvadorenho invade a capela do Hospital da Divina Providência (o Hospitalito, instituição que ainda cuida de pacientes com câncer) e com um tiro certeiro interrompe a celebração da Eucaristia. Dom Oscar Arnulfo Romero, bispo de San Salvador, tomba executado pelas forças de Direita que ainda dominavam o país, como ocorria em toda a América Latina. Era 24 de março de 1980, tempo de quaresma.

O mundo se volta para El Salvador e o sangue do sacerdote suscita sentimentos de indignação e revolta à opressão vivida pelo povo salvadorenho. Tem início a guerra civil que duraria até 1992. O bispo que repetiu o gesto de Cristo, morrendo pelo seu povo e pela coerência com o Evangelho, ao contrário do que planejaram seus opositores, não deixa o embate político em prol da população (especialmente dos camponeses). O momento histórico testemunha a profecia do próprio dom Oscar Romero ao afirmar: "Se me matam, ressuscitarei na luta do povo salvadorenho". O bispo de San Salvador torna-se então mártir da Igreja e ícone da luta pela justiça em seu país e em toda aquela região.

Os 30 anos do assassinato de dom Oscar Romero, comemorados em 24 de março de 2010, denunciam ainda a impunidade que campeia na história da América Latina. O mandante do crime, o major Roberto D'Aubuisson, fundador do partido Aliança Republicana Nacionalista (ARENA, de direita), que governou o país entre 1989 e 2009, morre em 1992, sem sequer responder a processo.

Dos acordos de paz à vitória da esquerda
A Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) fundada em 1980 como grupo guerrilheiro, passou a reunir as facções de esquerda: Forças Populares de Liberatação Farabundo Martí (FPL), Exército Revolucionário do Povo (ERP), Resistência Nacional (RN), Partido Comunista Salvadorenho (PCS) e Partido Revolucionário dos Trabalhadores Centroamericanos (PRTC). O nome escolhido para a coalizão homenageia o líder comunista Farabundo Martí, fundador e dirigente do PCS em 1930.

A antiga guerrilha converteu-se em partido político após os acordos de paz de Chapultepec (México), que colocaram ponto final nos doze anos de uma terrível guerra civil. No período, setenta e cinco mil pessoas foram mortas. Dados da Comissão de Verdade criada pelas Nações Unidas, apontam que 85 por cento dos assassinatos foram cometidos pelo Exército e esquadrões da morte, apoiados financeiramente pelos Estados Unidos e cinco por cento pela guerrilha.

Dezessete anos depois de ter deposto as armas, a FMLN elegeu, em 15 de março de 2009, o jornalista Mauricio Funes como presidente de El salvador. De tendência social-democrata, ele não participou da luta armada. Em contrapartida, o vice-presidente, Salvador Sánchez Cerén, esteve no comando da guerrilha.

A vitória da Frente varreu do poder a Aliança Republicana Nacionalista (Arena), partido de extrema-direita fundado por Roberto d'Aubuisson (mandante do assassinato de dom Oscar Romero). As outras duas formações conservadoras derrotadas que haviam se aliado à ARENA eram o Partido de Conciliação Nacional (PCN), representante dos governos militares (1961-1976), e o Partido Democrata Cristão (no poder entre 1984 e 1989).

A aliança de partidos conservadores conduziu uma "campanha de medo", com apoio dos veículos de comunicação que se utilizavam da linguagem arcaica da Guerra Fria. A estratégia, entretanto, não convenceu a população. Nas urnas, o povo consagrou a FMLN como principal força política do país, mesmo sem ser maioria da Assembleia Nacional, ao eleger um presidente de centro-esquerda.

A guinada no quadro político, conforme avaliam especialistas, foi alavancada pela precária situação social. Só para se ter uma ideia da realidade local, dos 5,7 milhões de habitantes mais de 2,5 milhões de cidadãos se viram obrigados a emigrar, em busca de melhor sorte nos Estados Unidos. Quase metade da população vive abaixo da linha de pobreza e 20 por cento na extrema miséria. O quadro se completa com o desemprego em massa e com a maior taxa de homicídios do continente: 68 assassinatos por cem mil habitantes.

União nacional por um país melhor
O atual arcebispo de San Salvador, dom José Luis Escobar Alas, fez um convite à população para que se una ao governo na luta contra a violência e, assim, impeça que o Estado desapareça. Durante entrevista coletiva, dom Escobar afirmou que atualmente o país ainda vive situação de violência inconcebível. Ele condenou os dois recentes massacres no país, nos quais doze pessoas morreram e tiveram os corpos mutilados. "Não vamos perder a fé, não vamos perder a esperança". El Salvador encerrou 2009 com 4.365 homicídios, com média de 12 mortes violentas por dia. Os números se aproximam dos apurados após a guerra civil, em 1992. Este ano, as estatísticas policiais, apontam aumento no número de mortes violentas, com a média de 13 ao dia.

 
A TRAJETÓRIA DE DOM OSCAR ROMERO
• 1917 - Nasce Oscar Arnulfo Romero em uma família modesta em Ciudad Barrios (El Salvador).
• 1931- Aos 14 anos o menino Oscar ingressa no seminário, mas seis anos depois se afasta para ajudar a família que estava com dificuldades. Passa a trabalhar nas minas de ouro com os irmãos. Retoma os estudos e é enviado a Roma para estudar teologia.
• 1942 - Ordenado sacerdote, volta a El Salvador e assume uma paróquia do interior. Logo é transferido para a catedral de San Miguel, onde fica por 20 anos. Sacerdote dedicado à oração e à atividade pastoral, pobre, dedica-se a obras de caridade, mas sem engajamento reconhecidamente social.
• 1966 - Dom Oscar assume como secretário da Conferência Episcopal de El Salvador.
• 1970 - É nomeado bispo auxiliar de San Salvador. O bispo dom Luis Chávez y Gonzalez busca atualizar a linha pastoral de acordo com o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín. Romero não se identifica integralmente com a linha pastoral proposta, revelando-se conservador.
• 1974 - É nomeado bispo da diocese de Santiago de Maria, em meio a um contexto político de forte repressão, sobretudo contra as organizações camponesas.
• 1975 - A Guarda Nacional executa cinco camponeses e dom Romero celebra missa em intenção das vítimas. Ele não faz denuncia explícita do crime, mas escreve uma carta severa ao presidente Molina.
• 1977 - A nomeação de dom Oscar Romero como bispo de El Salvador desagrada os setores renovadores. Mas em 12 de março é assassinado o jesuíta padre Rutílio Grande, engajado na luta do povo e ligado a dom Oscar. Este é o momento em que ele reavalia sua posição e se coloca corajosamente junto aos oprimidos, denunciando a repressão, a violência do Estado e a exploração imposta ao povo pela aliança entre os setores político-militares e econômicos, apoiada pelos Estados Unidos. O bispo denuncia também a violência da guerrilha revolucionária. Suas homilias são transmitidas pela rádio católica dando esperança à população e provocando a fúria dos governantes.
• 1978 - É homenageado com o título de doutor honoris causa das Universidades de Georgetown (EUA) e de Louvain (Bélgica).
• 1979 - Em outubro, um golpe de Estado depõe o ditador Humberto Romero. Uma junta de civis e militares assume o poder, e nesse cenário, exército e organizações paramilitares assassinam centenas de civis (entre eles sacerdotes). A guerrilha retalia com execuções sumárias.
• 1980 - Em 17 de fevereiro, dom Romero escreve ao presidente dos EUA, Jimmy Carter. O bispo faz um apelo para que ele não envie ajuda militar e econômica ao governo salvadorenho, para não financiar a repressão ao povo.
• 1980 - Na homilia de 23 de março, o bispo se dirige explicitamente aos homens do Exército, da Guarda Nacional e da Polícia e afirma: "Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cessem a repressão!" Estas foram as últimas palavras do bispo ao país.
• 1980 - Em 24 de março, dom Oscar Romero é assassinado por um franco-atirador, enquanto reza a missa na capela do Hospital da Divina Providência.
• 1994 - Abre-se o processo de canonização de dom Romero em San Salvador.
• 1997 - O processo passa para a Congregação das Causas dos Santos em Roma.
• 2010 - Em 24 de fevereiro, 30 anos da morte de dom Oscar Romero, Organizações sociais e religiosas apresentaram ao Parlamento salvadorenho petição para instituir 24 de março como "Dia Nacional de dom Oscar Arnulfo Romero".

(Publicado no Jornal de Opinião, n. 1084 - 22 a 28 de Março/2010 - Páginas 8 e 9.)

Fontes: http://www.adital.com.br/ e http://www.revistamissoes.org/

segunda-feira, 22 de março de 2010

‘A Igreja precisa de uma reforma urgente’, afirma jesuíta egípcio em carta dirigida a Bento XVI

O jesuíta egípcio mais destacado nos âmbitos eclesial e intelectual, Henri Boulad, lança um SOS para a Igreja de hoje em uma carta dirigida a Bento XVI. A carta foi transmitida através da Nunciatura no Cairo. O texto circula em meios eclesiais de todo o mundo.
Henri Boulad é autor de Deus e o mistério do tempo (Loyola, 2006) e O homem diante da liberdade (Loyola, 1994), entre outros.
A carta está publicada no sítio Religión Digital, 31-01-2010. A tradução é do Cepat.  Eis a carta:


Santo Padre:

Atrevo-me a dirigir-me diretamente a Você, pois meu coração sangra ao ver o abismo em que a nossa Igreja está se precipitando. Saberá desculpar a minha franqueza filial, inspirada simultaneamente pela “liberdade dos filhos de Deus” a que São Paulo nos convida e pelo amor apaixonado à Igreja.

Agradecer-lhe-ei também que saiba desculpar o tom alarmista desta carta, pois creio que “são menos cinco” e que a situação não pode esperar mais.

Permite-me, em primeiro lugar, apresentar-me. Sou jesuíta egípcio-libanês do rito melquita e logo farei 78 anos. Há três anos sou reitor do Colégio dos jesuítas no Cairo, após ter desempenhado os seguintes cargos: superior dos jesuítas em Alexandria, superior regional dos jesuítas do Egito, professor de Teologia no Cairo, diretor da Cáritas-Egito e vice-presidente da Cáritas Internacional para o Oriente Médio e a África do Norte.

Conheço muito bem a hierarquia católica do Egito por ter participado durante muitos anos de suas reuniões como Presidente dos Superiores Religiosos de Institutos no Egito. Tenho relações muito próximas com cada um deles, alguns dos quais são ex-alunos meus. Por outro lado, conheço pessoalmente o Papa Chenouda III, que via com frequência. Quanto à hierarquia católica da Europa, tive a ocasião de me encontrar pessoalmente muitas vezes com alguns de seus membros, como o cardeal Koening, o cardeal Schönborn, o cardeal Martini, o cardeal Daneels, o arcebispo Kothgasser, os bispos diocesanos Kapellari e Küng, os demais bispos austríacos e outros bispos de outros países europeus. Estes encontros se produzem por ocasião das minhas viagens anuais para dar conferências pela Europa: Áustria, Alemanha, Suíça, Hungria, França, Bélgica... Nestas ocasiões me dirijo a auditórios muito diversos e à mídia (jornais, rádios, televisões...). Faço o mesmo no Egito e no Oriente Próximo.

Visitei cerca de 50 países nos quatro continentes e publiquei cerca de 30 livros em aproximadamente 15 línguas, sobretudo em francês, árabe, húngaro e alemão. Dos 13 livros nesta língua, talvez Você tenha lido Gottessöhne, Gottestöchter (Filhos, filhas de Deus), que o seu amigo o Pe. Erich Fink, da Baviera, lhe fez chegar em suas mãos.

Não digo isto para me vangloriar, mas para lhe dizer simplesmente que as minhas intenções se fundam em um conhecimento real da Igreja universal e de sua situação atual, em 2009.

Volto ao motivo desta carta e tentarei ser o mais breve, claro e objetivo possível. Em primeiro lugar, algumas constatações (a lista não é exclusiva):

1. A prática religiosa está em constante declive. Um número cada vez mais reduzido de pessoas da terceira idade, que desaparecerão logo, são as que frequentam as igrejas da Europa e do Canadá. Não resta outro remédio senão fechar estas igrejas ou transformá-las em museus, mesquitas, clubes ou bibliotecas municipais, como já se está fazendo. O que me surpreende é que muitas delas estão sendo completamente reformadas e modernizadas mediante grandes gastos com a ideia de atrair os fiéis. Mas não será suficiente para frear o êxodo.

2. Seminários e noviciados se esvaziam no mesmo ritmo, e as vocações caem vertiginosamente. O futuro é sombrio e há quem se pergunte quem irá substituir os sacerdotes. Cada vez mais paróquias europeias estão a cargo de sacerdotes da Ásia ou da África.

3. Muitos sacerdotes abandonam o sacerdócio e os poucos que ainda o exercem – cuja idade média ultrapassa muitas vezes a da aposentadoria – têm que se encarregar de muitas paróquias, de modo expeditivo e administrativo. Muitos deles, tanto na Europa como no Terceiro Mundo, vivem em concubinato à vista de seus fiéis, que normalmente os aceitam, e de seu bispo, que não pode aceitá-lo, mas que tem em conta a escassez de sacerdotes.

4. A linguagem da Igreja é obsoleta, anacrônica, chata, repetitiva, moralizante, totalmente desadaptada à nossa época. Não se trata em absoluto de acomodar-se nem de fazer demagogia, pois a mensagem do Evangelho deve ser apresentada em toda a sua crueza e exigência. Seria preciso antes promover essa “nova evangelização”, a que nos convidava João Paulo II. Mas esta, ao contrário do que muitos pensam, não consiste em absoluto em repetir a antiga, que já não diz mais nada, mas em inovar, inventar uma nova linguagem que expresse a fé de modo apropriado e que tenha significado para o homem de hoje.

5. Isto não poderá ser feito senão mediante uma renovação em profundidade da teologia e da catequese, que deveriam ser repensadas e reformuladas totalmente. Um sacerdote e religioso alemão que encontrei recentemente me dizia que a palavra “mística” não é mencionada uma única vez no Novo Catecismo. Não podia acreditar nisso. Temos de constatar que a nossa fé é muito cerebral, abstrata, dogmática e se dirige muito pouco ao coração e ao corpo.

6. Em consequência, um grande número de cristãos se volta para as religiões da Ásia, as seitas, a nova era, as igrejas evangélicas, o ocultismo, etc. Não é de estranhar. Vão buscar em outros lugares o alimento que não encontram em casa, têm a impressão de que lhes damos pedras como se fossem pão. A fé cristã, que em outro tempo outorgava sentido à vida das pessoas, é para elas hoje um enigma, restos de um passado que acabou.

7. No plano moral e ético, os ditames do Magistério, repetidos à saciedade, sobre o matrimônio, a contracepção, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o matrimônio dos sacerdotes, as segundas uniões, etc., já não dizem mais nada a ninguém e produzem apenas desleixo e indiferença. Todos estes problemas morais e pastorais merecem algo mais que declarações categóricas. Necessitam de um tratamento pastoral, sociológico, psicológico e humano... em uma linha mais evangélica.

8. A Igreja católica, que foi a grande educadora da Europa durante séculos, parece esquecer que a Europa chegou à sua maturidade. A nossa Europa adulta não quer ser tratada como menor de idade. O estilo paternalista de uma Igreja “Mater et Magistra” está definitivamente defasada e já não serve mais. Os cristãos aprenderam a pensar por si mesmos e não estão dispostos a engolir qualquer coisa.

9. Os países mais católicos de antes – a França, “primogênita da Igreja”, ou o Canadá francês ultra-católico – deram uma guinada de 180º e caíram no ateísmo, no anticlericalismo, no agnosticismo, na indiferença. No caso de outros países europeus, o processo está em marcha. Pode-se constatar que quanto mais dominado e protegido pela Igreja esteve um povo no passado, mais forte é a reação contra ela.

10. O diálogo com as outras igrejas e religiões está em preocupante retrocesso hoje. Os grandes progressos realizados há meio século estão sob suspeita neste momento.

Diante desta constatação quase demolidora, a reação da igreja é dupla:

– Tende a minimizar a gravidade da situação e a consolar-se constatando certo dinamismo em sua facção mais tradicional e nos países do Terceiro Mundo.

– Apela para a confiança no Senhor, que a sustentou durante 20 séculos e será capaz de ajudá-la a superar esta nova crise, como o fez nas precedentes. Por acaso, não tem promessas de vida eterna?

A isto respondo:

– Não é apoiando-se no passado nem recolhendo suas migalhas que se resolverão os problemas de hoje e de amanhã.

– A aparente vitalidade das Igrejas do Terceiro Mundo é equívoca. Segundo parece, estas novas Igrejas, mais cedo ou mais tarde, atravessarão as mesmas crises que a velha cristandade europeia conheceu.

– A Modernidade é irreversível, e é por ter esquecido isso que a Igreja já se encontra hoje em semelhante crise. O Vaticano II tentou recuperar quatro séculos de atraso, mas tem-se a impressão de que a Igreja está fechando lentamente as portas que se abriram então, e é tentada a voltar para Trento e o Vaticano I, mais que voltar-se para o Vaticano III. Recordemos a declaração de João Paulo II tantas vezes repetida: “Não há alternativa para o Vaticano II”.

– Até quando continuaremos jogando a política do avestruz e a esconder a cabeça na areia? Até quando evitaremos olhar as coisas de frente? Até quando seguiremos dando as costas, encrespando-nos contra toda crítica, em vez de ver ali uma oportunidade de renovação? Até quando continuaremos postergando ad calendas graecas uma reforma que se impõe e que foi abandonada durante muito tempo?

– Somente olhando decididamente para frente e não para trás a Igreja cumprirá sua missão de ser “luz do mundo, sal da terra e fermento na massa”. Entretanto, o que infelizmente constatamos hoje é que a Igreja está no final da fila da nossa época, depois de ter sido a locomotiva durante séculos.

– Repito o que dizia no começo desta carta: “São menos cinco” – fünf vor zwölf! A História não espera, sobretudo em nossa época, em que o ritmo se embala e se acelera.

– Qualquer operação comercial que constata um déficit ou disfunção se reconsidera imediatamente, reúne especialistas, procura recuperar-se, mobiliza todas as suas energias para superar a crise.

– Por que a Igreja não faz algo semelhante? Por que não mobiliza todas as suas forças vivas para um aggiornamento radical? Por quê?

– Por preguiça, desleixo, orgulho, falta de imaginação, de criativadade, omissão culpável, na esperança de que o Senhor as resolverá e que a Igreja conheceu outras crises no passado?

– Cristo, no Evangelho, nos alerta: “Os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz...”.

Então, o que fazer? A Igreja tem hoje uma necessidade imperiosa e urgente de uma tripla reforma:

1. Uma reforma teológica e catequética para repensar a fé e reformulá-la de modo coerente para os nossos contemporâneos. Uma fé que já não significa nada, que não dá sentido à existência, não é mais que um adorno, uma superestrutura inútil que cai por si mesma. É o caso atual.

2. Uma reforma pastoral para repensar de cabo a rabo as estruturas herdadas do passado.

3. Uma reforma espiritual para revitalizar a mística e repensar os sacramentos com vistas a dar-lhes uma dimensão existencial e articulá-los com a vida.

Teria muito a dizer sobre isto. A Igreja de hoje é muito formal, muito formalista. Tem-se a impressão de que a instituição asfixia o carisma e que o que em última instância conta é uma estabilidade puramente exterior, uma honestidade superficial, certa fachada. Não corremos o risco de que um dia Jesus nos trate de “sepulcros caiados”?

Para terminar, sugiro a convocação de um Sínodo geral a nível da Igreja universal, do qual participarão todos os cristãos – católicos e outros – para examinar com toda franqueza e clareza os pontos assinalados anteriormente e os que forem propostos. Este Sínodo, que duraria três anos, terminaria com uma Assembleia Geral – evitemos o termo “concílio” – que sintetizasse os resultados desta pesquisa e tirasse daí as conclusões.

Termino, Santo Padre, pedindo-lhe perdão pela minha franqueza e audácia e solicito a vossa paternal bênção. Permita-me também dizer-lhe que vivo estes dias em sua companhia, graças ao seu extraordinário livro Jesus de Nazaré, que é objeto da minha leitura espiritual e de meditação cotidiana.

Seu afetíssimo no Senhor,

Pe. Henri Boulad, SJ



Entrevista com "Hilário Dick : Juventude: idêntica e diferente"

Por: Patricia Fachin

IHU On-Line - O senhor desenvolve trabalhos com a juventude há 35 anos. Como percebe a realidade dos jovens, atualmente? A juventude, nesse período, mudou muito a sua postura política e social?

Hilário Dick - Muitos educadores trabalham com jovens há mais de 35 anos. A novidade talvez esteja na maneira como estou nesse campo, de algum modo fora de instituições como a escola, a universidade (pelo menos como professor) e, até, como pai de família ou vigário de alguma paróquia. Embora trabalhe em instituições formais de educação da juventude, o que caracteriza a minha missão é o espaço informal, aonde os “clientes” vão porque querem, como opção pessoal e não como obrigação da sociedade, da família e do próprio sistema. Secundarizei a carreira magisterial formal para exercer o magistério de outro modo. Atrevo a chamar-me, de educador de jovens através de cursos, encontros, escritos, pesquisas, assembléias, retiros, acompanhamento de grupos e de coordenações, formação de assessores/as de jovens etc. Esta informalidade tem muito a ver com desvio social, procurando fazer o mesmo de outra forma, em desvios necessários para qualquer instituição. Essa outra forma na intervenção e no estudo de jovens faz que a percepção da realidade juvenil seja outra. Oportuniza-se a possibilidade de ouvir um outro discurso juvenil, cuja alteridade é necessária para uma visão integral.

Assim como tivemos um feudalismo, temos agora um lento (rápido?) caminho capitalista, onde os valores norteadores vão tomando feições específicas. Essa mudança vivida por todos é diferente no adulto e no jovem. Este pega o trem andando. Andamos no mesmo trem, mas as estações de embarque são diferentes. O que alguns já viram faz pensar que a “próxima estação” seja semelhante. O mesmo não ocorre com os que estão embarcando pela primeira vez. Vêem coisas que os antigos são levados a não ver. Estar aberto a esta novidade do não visto nem vivido é um desafio que se apresenta para qualquer educador de jovens. A beleza está na capacidade de não estar carregando somente velharias ou caminhos já feitos. Assim como a eterna novidade pode ser um mal, a eterna velhice é, certamente, uma desgraça. É o que me faz pensar que a juventude é sempre o idêntico e o diferente. A história ensina que o estabelecido, o já vivido etc., tem a tendência de acomodar-se porque o novo, além de ser imprevisível e inseguro, incomoda. Mesmo que saibamos que tudo é processo, existe um gosto profundo na acomodação porque somos levados a pensar que o mistério não existe. A convivência com a juventude em ambiente informal, por isso, marcou-me e me marca e me faz, também, social e politicamente inquieto.

IHU On-Line - É possível traçar um perfil único de jovem do século XXI? Em que medida as diferenças de classe criam universos juvenis diferentes?

Hilário Dick - Sem deixar de dizer que precisamos de parâmetros para a análise da realidade juvenil, a juventude não existe. Sem acreditar que se impõe a impossibilidade de falar validamente de coisas genéricas, o que faz a diferença não é só o lado econômico. É preciso ter presente – dentro de um parâmetro - os aspectos psicológico, cultural, sociológico, biológico (cronológico), o jurídico e – uma descoberta mais recente – o teológico. Claro que há universos juvenis diferentes, mas se complementam. O “relógio da biologia” feminina, por exemplo, não é o mesmo no rapaz e na menina; uma menina ou um rapaz da periferia pobre não é o mesmo do rapaz do centro; um jovem negro ou uma jovem negra não é o mesmo de um jovem ou uma menina brancos; a geração dos anos 1960 não é a mesma da geração de 2004; o/a jovem do interior do sertão nordestino não é o/a mesmo/a do/a jovem que nasceu em Blumenau, divertindo-se com roupas típicas na Oktoberfest. A juventude é a mesma? Repito: precisamos de parâmetros.
IHU On-Line - 68% dos jovens entrevistados pelo Datafolha são favoráveis à criminalização do aborto, 50% defendem a pena de morte, 72% são favoráveis à criminalização da maconha. Esses percentuais demonstram que o jovem brasileiro está mais conservador?

Hilário Dick - A pesquisa apresenta a postura dos/as jovens sob vários aspectos: o aborto, a pena de morte, a maconha, a idade mínima para ir à prisão (redução da maioridade penal), o acompanhamento ao noticiário político, a postura política e sobre a importância de 11 itens (família, saúde, trabalho, estudo, lazer, amigos, religião, sexo, dinheiro, beleza e casamento), contexto em que aparecem as percentagens apontadas. Olhando esse quadro, podemos dizer que os valores que estão no topo são a família, a saúde, o trabalho e o estudo (todos acima de 90%) e que os que estão na base são o dinheiro, a beleza e o casamento (na base dos 70%). No meio desses dois extremos, um tanto perdidos, estão o lazer, os amigos, a religião e o sexo. Pode-se dizer que há discursos estranhos com relação ao significado do dinheiro e da beleza (aparência) e com relação à importância que tem o lazer, os amigos, a religião e o sexo – assuntos que mereceriam aprofundamento. Os dados citados não revelam conservadorismo; revelam falta de amadurecimento. As respostas são da “flor da pele”; não são de raiz porque foram induzidas.
IHU On-Line - Como compreender que 68% dos jovens defendem a criminalização do aborto e em contra partida, 46% são favoráveis à idade penal entre 16 e 17 anos?
Hilário Dick - Os jovens, apesar de tudo, não deixam de repetir – principalmente em assuntos como estes – o que a sociedade e o sentimento são levados a dizer e, de modo muito especial, o que os meios de comunicação social apresentam como vontade popular. Qual a opinião que eles encontram com adultos, educadores sobre este assunto? Qual a argumentação que bebem para irem amadurecendo seu posicionamento? Quem é, nesse assunto, conservador? Quem colocou no meio do campo a discussão de que a diminuição da maioridade penal seria a solução? Certos assuntos não se resolvem pela percentagem de opiniões, mas de formação de consciências.
IHU On-Line - O jovem do século XXI ainda trata questões referentes à sexualidade e ao aborto como um tabu?
Hilário Dick – Mesmo que pareça que não, há sintomas que dizem que sim. Voltando à pesquisa do Datafolha, ela fez duas perguntas para as mulheres: se elas já fizeram aborto e se alguma amiga delas já fez aborto. O resultado é estranho: se somente 4% admitem que já fizeram aborto (as que mais admitem são as que têm de 22 a 25 anos), 33% afirmam saber de amigas que fizeram e 57% dizem não ter informação sobre isso. Seria medo ou certo tipo de solidariedade, procurando esconder o que sabem? No mínimo, estamos frente a um tabu, mesmo que signifique falta de informação. Por outro lado, pesquisar a vivência sexual da maneira como se vê, também em pesquisas, muitas vezes como mera curiosidade, não é tabu?
IHU On-Line - Como o senhor percebe a atuação política dos jovens brasileiros? O fato de eles não estarem engajados com tanta veemência nos partidos políticos demonstra uma apatia política, ou pelo contrário, isso significa que eles estão buscando outras maneiras de “fazer política”?
Hilário Dick – Respondo com dados que a pesquisa oferece. Ela fez duas perguntas: uma sobre que tipo de organização o/a jovem participa e outra sobre a religião deles/as. Por um lado, vemos que 45% afirmam que não participa e, por outro, vemos que 39% participam das igrejas, 24% de trabalho voluntário, 12% de organizações ecológicas, 18% de entidades estudantis, 7% de partidos políticos etc. Para a minha matemática, estes dados significam que 55% de jovens se afirmam partícipes e ser partícipe é ser político. A apatia juvenil é afirmada por quem ainda não aprendeu ou não quer aprender a ler os discursos que os jovens fazem.

IHU On-Line – Você relacionaria essas reflexões com o que escreve em “Emergências e percepção de novos valores na juventude”?

Hilário Dick - Um desafio que se apresenta, tratando de juventude, é o da capacidade não só de saber ver emergir alguns fenômenos juvenis, mas saber perceber o significado dessa emergência. A reflexão completa que faço sobre isso pode ser encontrada no blog do Observatório Juvenil do Vale (www.observatoriojuvenildovale.Blogspot.com). O Maio de 68, por exemplo, emergiu mundialmente de forma impressionante. Até hoje se está percebendo o que sucedeu 40 anos atrás. Trata-se de entender o discurso da juventude não só no que eles defenderam, escreveram, mas também no que fizeram e nem sabiam o que estavam dizendo. Lendo as percentagens de uma pesquisa estamos querendo ler um discurso. Por isso, na pesquisa sobre a emergência de valores na juventude de São Leopoldo (RS), intitulamos a publicação da leitura dos dados de “Discursos à beira do Sinos”; numa outra pesquisa em andamento, estamos querendo ler a percepção dos/as jovens sobre a violência. É a importância do “discurso”. Estou convicto, além disso, de que na leitura que se faz sobre a realidade juvenil não pode faltar a vontade de entender “as sementes ocultas do Verbo” (Vaticano II, Gaudium et Spes) manifestando-se na juventude, sendo a juventude um “lugar” ou uma “realidade” teológica. Uma qualidade do pesquisador sobre juventude é estar encantado com ela, o que não rouba, mas enriquece a objetividade científica que precisa haver no estudo da realidade juvenil.

IHU On-Line - Que importância o jovem atribui à aparência? Em que medida esse percentual pode ser analisado como negativo ou positivo para a juventude?

Hilário Dick - Pela idade e pelo momento que o/a jovem vive a aparência é fundamental. Eles gostam e têm direito de aparecer para dizer que “estão aí” e que são bonitos/as. O consumo, contudo, se aproveita disso e todos vemos a importância que vai tendo o corpo. A utopia social é substituída pela utopia corpórea. A utopia sou eu mesmo; o outro/a não existe. A utopia é o próprio umbigo. É o uso ideológico do corpo juvenil. O item da aparência merece duas páginas da Folha de S. Paulo, embora tenham sido feitas somente cinco questões relacionadas à aparência e que não deixam de sair do campo do exótico: a aparência em geral, o peso, as partes do corpo dos quais o/a jovem gosta mais e menos, sobre o desejo de fazer plástica e sobre algum tipo de atividade física. Impressiona a pormenorização das partes que os jovens querem mais e menos, do cabelo aos pés. Se a auto-estima é fundamental, a auto-estima que se vê fomentada é uma desgraça.
IHU On-Line - O que esse “espírito jovem” lhe ensinou até agora?
Hilário Dick - Se entendi bem a pergunta, ela se refere ao proveito que se tira no trabalho com a juventude no espaço informal. Todos deveriam ter, na vida, uma causa. Uma causa que seja compromisso e fonte de realização. Uma causa que não seja algo externo. Ela se deve enraizar nas entranhas. Ela precisa ser “comida” e “ruminada” todo dia. Assim como nos alimentamos nela, ela nos “come” e nos “rumina”. É uma dimensão da vida que, apesar de ser vivida por um/a idoso/a, ajuda a sabermos ver, em tudo, a novidade do mistério que é o universo. O/A jovem não quer ver no adulto alguém que se iguale com ele/a, mas alguém no qual podem ler, na velhice do universo, no/a adulto/a, no avô ou na avó, que a vida é novidade. Diria que amar a juventude é uma graça e a graça não se compra nem é fruto de uma atitude meramente voluntarista.

Mensagem de Bento XVI para a Jornada Mundial da Juventude - 28/03/2010

 "Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?" (Mc 10, 17)

Queridos amigos,

este ano marca o vigésimo quinto aniversário de instituição da Jornada Mundial da Juventude, desejada pelo Venerável João Paulo II como encontro anual de jovens crentes do mundo inteiro. Foi uma iniciativa profética que rendeu frutos abundantes, permitindo às novas gerações cristãs encontrarem-se, entrarem em atitude de escuta da Palavra de Deus, de descobrir a beleza da Igreja e de viver experiências fortes de fé que levaram muitos à decisão de entregar-se totalmente a Cristo.

A presente XXV Jornada representa um passo rumo ao próximo Encontro Mundial dos jovens, que será realizado em agosto de 2011 em Madrid, onde espero que sejam muitos a viver este momento de graça.

Para preparar-nos a essa celebração, desejo propor-vos algumas reflexões sobre o tema deste ano: "Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?" (Mc 10, 17), tirado do episódio evangélico do encontro de Jesus com o jovem rico; um tema já abordado, em 1985, pelo Papa João Paulo II em uma belíssima carta, dirigida pela primeira vez aos jovens.

1. Jesus encontra um jovem

"Tendo [Jesus] saído para se pôr a caminho, - conta o Evangelho de São Marcos - veio alguém correndo e, dobrando os joelhos diante dele, suplicou-lhe: 'Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?'. Jesus disse-lhe: 'Por que me chamas bom? Só Deus é bom. Conheces os mandamentos: não mates; não cometas adultério; não furtes; não digas falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe'. Ele respondeu-lhe: 'Mestre, tudo isto tenho observado desde a minha mocidade'. Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: 'Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me'. O jovem entristeceu-se com estas palavras e foi-se todo abatido, porque possuía muitos bens" (Mc 10, 17-22).

Esta história expressa de modo eficaz a grande atenção de Jesus pelos jovens, por vós, por vossas expectativas, vossas esperanças, e mostra o quão grande é o seu desejo de encontrar-vos pessoalmente e dialogar com cada um de vós. Cristo, de fato, interrompe seu caminho para responder à pergunta de seu interlocutor, manifestando plena disponibilidade para aquele jovem, que é movido por um ardente desejo de falar com o "Bom Mestre", para aprender d'Ele a percorrer a estrada da vida. Com esse trecho evangélico, o meu Predecessor desejava exortar cada um de vós a "desenvolver o próprio colóquio com Cristo, um colóquio que é de importância fundamental e essencial para um jovem" (Carta Apostólica aos jovens Dilecti Amici, n. 2).

2. Jesus o olhou e o amou

No relato evangélico, São Marcos salienta como "Jesus fixou nele o olhar e o amou" (cf. Mc 10, 21). No olhar do Senhor está o coração deste especialíssimo encontro e de toda a experiência cristã. De fato, o cristianismo não é primariamente uma moral, mas experiência de Jesus Cristo, que nos ama pessoalmente, jovem ou velho, pobre ou rico; nos ama mesmo quando lhe viramos as costas.

Comentando a cena, o Papa João Paulo II acrescentava, dirigindo-se a vós, jovens: "Desejo que experimenteis um olhar assim. Desejo que experimenteis a verdade de que Cristo os olha com amor" (Carta Apostólica aos jovens Dilecti Amici, n. 7). Um amor, manifestado a nós sobre a Cruz de maneira plena e total, que faz São Paulo escrever com espanto: "Me amou e se entregou por mim" (Gal 2,20). "A consciência de que o Pai sempre nos amou em seu Filho, de que Cristo ama a cada um e sempre - escreve agora o Papa João Paulo II -, se converte em un sólido ponto de apoio para toda nossa existência humana" (Ibid, n. 7), e nos permite superar todos as provas: a descoberta de nossos pecados, o sofrimento, o desânimo.

Neste amor se encontra a fonte de toda a vida cristã e a razão fundamental da evangelização: se temos verdadeiramente encontrado Jesus, não podemos deixar de testemunhá-lo àqueles que ainda não encontraram o seu olhar!

3. A descoberta do projeto de vida

No jovem do Evangelho, podemos perceber uma condição muito similar àquela de cada um de vós. Também vós sois ricos de qualidade, de energias, de sonhos, de esperanças: recursos que vós possuís em abundância! A vossa própria idade se constitui uma grande riqueza, não somente para vós, mas também para os outros, para a Igreja e para o mundo.

O jovem rico pergunta a Jesus: "O que devo fazer?". A estação da vida em que estais imersos é tempo de descoberta: dos dons que Deus vos deu e das vossas responsabilidades. É, também, tempo de escolhas fundamentais para construir o vosso projeto de vida. É o momento, pois, de interrogar-vos sobre o autêntico sentido da existência e de perguntar-vos: "Estou satisfeito com minha vida? Está faltando alguma coisa?".

Como o jovem do Evangelho, talvez vós viveis situações de instabilidade, de turvamento ou de sofrimento, que vos levais a aspirar a uma vida que não seja medíocre e a perguntar-vos: em que consiste uma vida bem sucedida? O que devo fazer? Qual poderia ser o meu projeto de vida? "O que devo fazer para que minha vida tenha pleno valor e pleno sentido?" (Ibid., n. 3).

Não tenhais medo de afrontar essas questões! Longe de oprimir-vos, elas expressam as grandes aspirações que estão presentes no vosso coração. Portanto, devem ser ouvidas. Elas aguardam respostas que não sejam superficiais, mas capazes de atender às vossas autênticas expectativas de vida e de felicidade.

Para descobrir o projeto de vida que pode fazer-vos plenamente feliz, colocai-vos em escuta a Deus, que tem o seu plano de amor por cada um de vós. Com confiança, perguntai-lhe: "Senhor, qual é o teu plano de Criador e Pai sobre minha vida? Qual é a tua vontade? Eu desejo realizá-la". Tenhais certeza de que Ele vos responderá. Não tenhais medo de sua resposta! "Deus é maior que nosso coração e conhece todas as coisas" (1 Jo 3, 20)!

4. Vem e segue-me!

Jesus convida o jovem rico a ir muito além da satisfação de suas aspirações e de seus projetos pessoais, ele diz: "Vem e segue-me!". A vocação cristã surge de uma proposta de amor do Senhor e somente pode se realizar graças a uma resposta de amor: "Jesus convida os seus discípulos ao dom total da sua vida, sem cálculos nem vantagens humanas, com uma confiança em Deus sem hesitações. Os santos acolhem este convite exigente, e põem-se com docilidade humilde no seguimento de Cristo crucificado e ressuscitado. A sua perfeição, na lógica da fé por vezes humanamente incompreensível, consiste em não colocar a si mesmos no centro, mas em escolher ir contra a corrente vivendo segundo o Evangelho" (Homilia durante Canonização de cinco beatos, 11 de outubro de 2009).

Seguindo o exemplo de muitos discípulos de Cristo, também vós, queridos amigos, acolheis com alegria o convite para o discipulado, para viver intensamente e de modo frutífero neste mundo. Com o Batismo, de fato, ele chama cada um a segui-Lo com ações concretas, a amá-Lo acima de todas as coisas e a servi-Lo nos irmãos. O jovem rico, infelizmente, não aceitou o convite de Jesus e foi embora triste. Não tinha encontrado a coragem de romper com os bens materiais para encontrar o bem maior proposto por Jesus.

A tristeza do jovem rico do Evangelho é aquela que nasce no coração de cada um quando não se tem a coragem de seguir a Cristo, de fazer a escolha certa. Mas nunca é tarde demais para responder-Lhe!

Jesus não se cansa de dirigir o seu olhar de amor e chamar para ser seus discípulos, mas Ele propõe a alguns uma escolha mais radical. Neste Ano Sacerdotal, desejo exortar os jovens e os rapazes a estarem atentos se o Senhor convida para um dom maior, na via do Sacerdócio ministerial, e a permanecer disponíveis para acolher com generosidade e entusiasmo este sinal de especial predileção, traçando, com a ajuda de um sacerdote, do diretor espiritual, o necessário caminho de discernimento. Não tenhais medo, então, queridos jovens e queridas jovens, se o Senhor vos chama à vida religiosa, monástica, missionária ou de especial consagração: Ele sabe doar profunda alegria àqueles que respondem com coragem!

Convido, também, aqueles que sentem a vocação para o matrimônio a acolhê-la com fé, empenhando-se em colocar uma base sólida para viver um amor grande, fiel e aberto ao dom da vida, que é riqueza e graça para a sociedade e para a Igreja.

5. Orientai-vos rumo à vida eterna

"Que devo fazer para alcançar a vida eterna?". Essa questão do jovem do Evangelho parece distante das preocupações de muitos jovens contemporâneos, porque, como observava o meu Predecessor, "não somos nós a geração a que o mundo e o progresso temporal enchem completamente o horizonte da existência?" (Carta Apostólica aos jovens Dilecti Amici, n. 5). Mas a pergunta sobre a "vida eterna" surge em particulares momentos dolorosos da existência, quando vivenciamos a perda de alguém próximo ou quando vivemos a experiência do fracasso.

Mas o que é "vida eterna", a que se refere o jovem rico? Jesus a ilustra quando, voltando-se a seus discípulos, afirma: "Hei de ver-vos outra vez, e o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria" (Jo 16, 22). São palavras que indicam uma proposta exaltante de felicidade sem fim, da alegria de ser preenchido pelo amor divino para sempre.

Interrogar-se sobre o futuro definitivo que aguarda a cada um de nós dá sentido pleno à existência, porque orienta o projeto de vida rumo a horizontes não limitados e passageiros, mas amplos e profundos, que levam a amar o mundo, tão amado por Deus mesmo, a dedicar-nos ao seu desenvolvimento, mas sempre com a liberdade e a alegria que nasce da fé e da esperança. São horizontes que ajudam a não absolutizar a realidade terrena, sentindo que Deus nos prepara um perspectiva mais ampla, e a repetir com Santo Agostinho: "Desejamos a pátria celeste, suspiramos pela pátria celeste, nos sentimos peregrinos aqui na terra" (Comentário ao Evangelho de São João, Homilia 35, 9). Mantendo os olhos fixos na vida eterna, o Beato Pier Giorgio Frassati, que morreu em 1925, com 24 anos, disse: "Desejo viver e não subsistir!", e sobre a foto de uma escada, enviada a um amigo, escreveu: "Para o alto", aludindo à perfeição cristã, mas também à vida eterna.

Queridos jovens, exorto-vos a não esquecer essa perspectiva em vosso projeto de vida: somos chamados à eternidade. Deus nos criou para estar com Ele, para sempre. Isso vos ajudará a dar sentido pleno às vossas escolhas e a agregar qualidade à vossa existência.

6. Os mandamentos, via do amor autêntico

Jesus recorda ao jovem rico os dez mandamentos como condições necessárias para "alcançar a vida eterna". Eles são pontos de referência essenciais para viver no amor, para distinguir claramente o bem do mal e construir um projeto de vida sólido e duradouro. Também a vós, Jesus pergunta se conheceis os mandamentos, se vos preocupais em formar a vossa consciência segundo a lei divina e se a colocais em prática.

Naturalmente, trata-se de perguntas contra a corrente em relação à mentalidade atual, que propõe uma liberdade desvinculada de valores, de regras, de normas objetivas e convida a rejeitar todos os limites em nome dos desejos do momento. Mas este tipo de proposta, ao invés de conduzir à verdadeira liberdade, leva o homem a se tornar um escravo de si mesmo, de seus desejos imediatos, dos ídolos como o poder, o dinheiro, o prazer desenfreado e as seduções do mundo, tornando-o incapaz de seguir a sua vocação original ao amor.

Deus nos dá os mandamentos porque deseja educar-nos à verdadeira liberdade, porque quer construir conosco um Reino de amor, de justiça e de paz. Escutá-los e colocá-los em prática não significa se alienar, mas encontrar o caminho da liberdade e do amor autêntico, porque os mandamentos não limitam a felicidade, mas indicam como encontrá-la. Jesus, no início do diálogo com o jovem rico, recorda que a lei dada por Deus é boa, porque "Deus é bom".

7. Temos necessidade de Vós
Quem vive hoje na condição de jovem se encontra afrontado por muitos problemas decorrentes do desemprego, da falta de referências ideais corretas e de perspectivas concretas para o futuro. Às vezes, pode-se ter a impressão de que se é impotente diante das crises e desvios atuais. Apesar das dificuldades, não percais a coragem e não renuncieis a vossos sonhos! Ao contrário, cultiveis no coração o grande desejo de fraternidade, justiça e paz. O futuro está nas mãos de quem sabe procurar e encontrar razões fortes de vida e de esperança. Se quiserdes, o futuro está em vossas mãos, porque os dons e as riquezas que o Senhor incutiu no coração de cada um de vós, plasmados no encontro com Cristo, podem trazer autêntica esperança ao mundo! É a fé no seu amor que, tornando-vos fortes e generosos, vos dará a coragem de afrontar com serenidade o caminho da vida e assumir responsabilidade familiar e profissional. Empenhai-vos a construir o vosso futuro através de um sério percurso de formação pessoal e de estudo, para servir de modo competente e generoso ao bem comum.

Na minha recente Carta Encíclica sobre o desenvolvimento humano integral, Caritas in veritate, elenquei alguns grandes desafios atuais, que são urgentes e essenciais para a vida deste mundo: o uso dos recursos da terra e o respeito da ecologia, a justa divisão dos bens e o controle dos mecanismos financeiros, a solidariedade com os Países pobres no âmbito da família humana, a luta contra a fome no mundo, a promoção da dignidade do trabalho humano, o serviço à cultura da vida, a construção da paz entre os povos, o diálogo inter-religioso, o bom uso dos meios de comunicação social.

São desafios aos quais sois chamados a responder para construir um mundo mais justo e fraterno. São desafios que requerem um projeto de vida exigente e apaixonante, no qual colocar toda a vossa riqueza segundo o plano que Deus tem para cada um de vós. Não se trata de fazer gestos heroicos ou extraordinários, mas agir explorando os próprios talentos e as próprias possibilidades, empenhando-se em progredir constantemente na fé e no amor.

Neste Ano Sacerdotal, convido-vos a conhecer a vida dos santos, em particular a dos sacerdotes santos. Vejais que Deus lhes guiou e que encontraram a própria estrada dia após dia, exatamente na fé, esperança e no amor. Cristo chama cada um de vós a empenhar-se com Ele e a assumir a própria responsabilidade para construir a civilização do amor. Se seguirdes a sua palavra, também a vossa estrada se iluminará e vos conduzirá a metas elevadas, que dão alegria e sentido pleno à vida.

Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, vos acompanhe com sua proteção. Vos asseguro a minha lembrança na oração e, com grande afeição, vos abençoo.

Dado no Vaticano, aos 22 de fevereiro de 2010
Papa Bento XVI

quinta-feira, 18 de março de 2010

Pastoral Digital

Por: Dom Orani João Tempesta (Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ e Presidente da Comissão Episcopal para a Cultura, Educação e Comunicação Social da CNBB)

Fiquei em dúvida se chamaria esta nova forma de pastoral da comunicação de digital, do ciberespaço ou cibernética. Atualmente os termos envelhecem rapidamente. O tempo e os desenvolvimentos futuros dirão e escolherão os passos, caminhos e nomes para essa missão da comunicação nesta época.

Acredito que uma nova maneira de fazer pastoral de comunicação está sendo suscitada pela Igreja através da mensagem do Papa Bento XVI para o 44º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Como ocorre o Ano Sacerdotal, o tema tem essa referência, mas, sem dúvida, é dirigido a todos os católicos: "o sacerdote e a pastoral no mundo digital: as novas mídias a serviço da Palavra". Como sempre acontece no Brasil, esse dia é celebrado no Domingo da Ascensão, este ano no dia 16 de maio de 2010.

Um grande passo foi dado. Havia na cabeça e no comportamento de muitos certo medo das novas mídias ou novas ferramentas de internet, por ser esse um território livre, onde há de tudo. É um medo infundado, pois se assim o fosse não poderíamos estar no ramos dos livros e das revistas porque existem muitos livros e revistas que não são recomendáveis para os cristãos e talvez nem para as pessoas de certa dignidade.

Estávamos presentes nesses meios com certa timidez e até mesmo com certo temor. Sabemos, porém, que os "digitais nativos" já utilizam essas mídias com desenvoltura e naturalidade incríveis e, quando cristãos, sabem utilizar muito bem tudo isso para um trabalho evangelizador. Podemos anunciar que o desejo da Igreja é que saibamos colocar as novas mídias a serviço da Palavra, ou seja, de Cristo, fazendo agora a pastoral digital ou no mundo digital.

A nossa Comissão Episcopal enviará às Dioceses cartazes e textos com os subsídios para bem celebrar esse dia em todas as comunidades e paróquias, aliás, é o único dia criado pelo Concílio Vaticano II. Isso está no documento Inter Mirifica, um dos dois mais antigos documentos emanados do Concílio. Ele inicia, além da série de importantes documentos para a renovação da Igreja na década de sessenta, também uma orientação para os novos tempos que estavam surgindo naquela época no campo dos meios de comunicação. A Igreja tem como missão evangelizar, ou seja, comunicar a morte e ressurreição de Jesus Cristo, que foi enviado pelo Pai para nos comunicar a Sua Vontade. Se o documento conciliar é apenas indicativo, ele abriu, no entanto, os caminhos para as diferentes situações que se seguiriam posteriormente. Cada ano, os Pontífices Romanos anunciam, na festa dos Arcanjos Gabriel, Rafael e Miguel, o tema anual e publicam o texto no dia da Festa de São Francisco de Sales.

Saudamos carinhosamente os que se dedicam a essa missão, e incentivamos para que o façam com ânimo sempre renovado - de levar todos os homens e mulheres a construírem uma sociedade justa e fraterna, além de alimentar a fé do nosso povo através de escritos, filmes, Power points e tantos outros meios. Quando, neste ano, tivermos a graça de criar a "Signis Brasil", como filial da Signis Mundial, também ali deverá ter um setor para os portais de inspiração católica se filiarem, além das rádios, televisões, revistas, jornais e impressos. Atualmente temos ótimos portais de notícias ligados a grupos católicos que, além de passar os acontecimentos, formam, através de eventos e textos, as pessoas no caminho cristão. A grande questão é saber escolher a reta doutrina e aqueles que sabem construir a unidade na diversidade. Isso está entre outras iniciativas louváveis, somente para recordarmos das propostas que são colocadas diante de nossas telas de formação permanente da doutrina cristã, de anúncio da Palavra de Deus e de notícias acerca da vida da Igreja no Brasil e da vida das próprias dioceses, paróquias e comunidades.

Urge uma conversão pastoral de nossos presbíteros, como nos pede o Papa para o Dia Mundial das Comunicações, em colocar, como meta primeira de sua pastoral, a pastoral da comunicação e da acolhida, que hoje não pode prescindir de ser, também, da internet e dos meios correlatos.

Não tenho dúvidas de que a Igreja que peregrina no Brasil está fortemente amparada na vontade deliberada de dar especial apoio a todos os sites e meios eletrônicos que anunciem o Cristo Ressuscitado e que levem o homem e a mulher de nossos dias a buscar a santidade pelo conhecimento e pelo seguimento apaixonado pelo Redentor.

A todos uma bela e comprometedora celebração do Dia Mundial das Comunicações Sociais, e que isso ajude a criar ou incrementar ainda mais a Pastoral da Comunicação em nossas comunidades e abrir-nos para o diálogo com os comunicadores de nossa região.

Fonte: Rádio Vaticano