Este texto é uma parte do livro “Seduzidos pelo Deus dos pobres”, de Carlos R. Cabarrús, antropólogo jesuíta da Guatemala. Neste opúsculo, faz uma análise de fatores que são obstáculos à vivência do voto de pobreza, causados, entre outros, pela relativização da pobreza de Jesus, pelo relaxamento, pelas comodidades institucionais etc. Dentro deste quadro, propõe que vejamos dois caminhos a seguir na construção de soluções para esta aporia (uma institucional e outra pessoal):
(1º) Dar a devida ênfase à pobreza característica de Jesus (institucional)
Neste ponto, ressalta que a Igreja tentou reproduzir a pobreza encarnada e modelar, mas deu menos importância à pobreza profética e transformadora, que desencadearam em paradoxos, como o invocar a Deus enquanto falta solidariedade e irmandade com os empobrecidos de fato, bem como a falta de força capaz de ser semente de mudanças sociais profundas. Evidencia que “a pobreza encarnada, e mesmo a modelar, se não for perpassada pela influência da profética e da transformadora, degenera e perde a força. Qualquer pobreza, se não situada no contexto do Reinado de Deus, perde também seu horizonte adequado e se dispersa”.
(2º) Estar atentos para os empecilhos subjetivos à vivência dos votos (pessoal):
O autor evidencia sete elementos que devem ser analisados para se chegar aos obstáculos à vivência do voto de pobreza:
1. Quanto à classe social: se a pessoa viveu uma vida de folga e caprichos, isso pode gerar, na vida consagrada, inércia com relação à vida interior (talvez a pessoa não queira renunciar a tanta comodidade); se a pessoa vem de um ambiente de pobreza ou miséria, isto pode gerar instabilidade, ansiedade e angústia, poderá haver a tentação de reivindicar o que nunca teve; por fim, se a pessoa vem de um ambiente austero, poderia ser a melhor forma de viver de modo discreto, mas pode levá-lo a ser um fervoroso juiz dos ‘caprichosos’ e dos ‘ansiosos’ em matéria de pobreza.
2. Amadurecimento pessoal: é importante a pessoa se conhecer bem, inclusive o seu mundo vulnerado e as falsas saídas ou compensações com as quais tenta viver, para solucionar seu mundo psicológico.
3. Ideologia: é preciso discernir os ideais que o move de verdade, tentando superar atitudes, tais como “o falar da boca para fora” de um mundo idealizado, mas agir e deixar-se guiar para manter o status quo e pela comodidade pessoal.
4. Aspirações pessoais: é importante ter aspirações e ideais concretos na visualização; por exemplo: como me vejo trabalhando, onde, com quem...
5. Experiência de Deus: é da cultura que se recebe os elementos fundamentais que levam a assumirmos hábitos (como o ter fé ou ser descrente, por exemplo), que nos levam a arriscar boa parte de nossa vida. Também há a possibilidade de um encontro gratuito, inesperado e desafiador, com Deus, que me dá o referencial para viver a pobreza, sempre tendo o Reino no centro.
6. O contato direto com os pobres e sua luta: é um elemento fundamental e determinante para a correta compreensão da pobreza e no proceder quanto a ela, para não se cair em paternalismos ou ideologizações.
7. Vigor no viver a vida comunitária: no corpo “social” é que está a correta compreensão e práxis do voto de pobreza. “Ser capaz de entregar tudo e de entregar-se e esperar tudo dos companheiros numa congregação é um exercício de pobreza equivalente à dos discípulos de Jesus”.
Destes sete aspectos, devemos destacar a importância de um triângulo fundamental para superar as artimanhas e vivermos, autenticamente, o voto de castidade:
- maturidade pessoal: onde a pessoa não se deixa levar por mecanismos de compensação, de defesa e/ou de falsas saídas;
- experiência pessoal com o Deus de Jesus Cristo, que é justo e solidário;
- ligação com os empobrecidos e sua luta: pela justiça de Deus somos convidados (convocados) a sermos solidários com os pobres concretos e a arriscar-nos por eles e, neles, com Jesus.
Confira a continuação: “artimanhas de classe”
* Resenha feita por Júlio Caldeira a partir de: CABARRÚS, Carlos R. Seduzidos pelo Deus dos pobres: os votos religiosos a partir da justiça que brota da fé. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. p. 60-66.
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