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quarta-feira, 14 de julho de 2010

A opção pelos pobres: de Medellín a Aparecida

Por: Júlio Caldeira, imc *

Muito se tem falado e escrito sobre a opção pelos pobres na América Latina; mas muito tem que ser discutido sobre quem é o pobre? De onde vem esta opção? Sem dúvida são problemas teológicos, pastorais e humanos, que faz a Igreja pensar sobre sua origem e da fidelidade ao Evangelho, que Jesus pregou e ensinou a seus discípulos/as nas bem-aventuranças do Reino de Deus (Lc 6,20 e Mt 5,3), em seu ministério (discurso na sinagoga de Lc 4,16ss. e práticas de curas, acolhida e exortações) e na sua prerrogativa do julgamento final (“benditos de meu Pai” de Mt 25,31ss), por exemplo. Esta opção foi vivida ao longo destes 20 séculos pelos discípulos de Jesus e recordada em momentos de “crise” (com Antão, Francisco de Assis, Charles de Foucald, Teresa de Calcutá etc.).

Esta prática evangélica passou a ser sistematizada e colocada em consenso a partir do Concílio Vaticano II, principalmente como o grupo da “Igreja dos pobres”, e sendo assumida pela Igreja Latino Americana nas Conferências Episcopais que marcam profundamente pelo seu aspecto de inserção na realidade do povo: "Medellín (libertação), Puebla (comunhão e participação), Santo Domingo (inculturação) e Aparecida (missão). Estas conferências impregnaram também um caráter sacramental, um caráter indelével na Igreja latino-americana, como a opção pelos e com os pobres, a libertação, participação, CEBs, metodologia ver-julgar-agir” (Entrevista com Paulo Suess feita pela IHU). Neste sentido, somos chamados a continuar esta caminhada, revendo os passos dados, sejam com avanços ou retrocessos.

A Conferência de Medellín (1968) procurou implementar e contextualizar o Concílio Vaticano II, buscando colocar “a Igreja na atual transformação da América Latina”. “Na perspectiva de João XXIII – ‘uma Igreja dos pobres para ser a Igreja de todos’, Medellín conclama todos os batizados a ser uma Igreja pobre, para dar testemunho de uma Igreja solidária, samaritana, com a situação e a causa dos pobres, que é um mundo justo e solidário para todos. ‘A pobreza da Igreja deve ser sinal e compromisso de solidariedade com os que sofrem’ (Med 14,7). (...) Medellín, ao optar pelo ser humano, dada a situação dos excluídos, que são os proferidos de Deus, opta antes pelos pobres (Med 14,9). (...) Por isso, a opção pelos pobres, mais que um trabalho prioritário, é uma ótica que leva a todos a partir do pobre, em vista de um mundo inclusivo de todos” (BRIGHENTI, A. A opção pelos pobres e a urgência da missão). A opção pelos pobres baseia-se no serviço profético, expressada na vivência da fé cristã fiel a esta opção, diante da injustiça, opressão e exclusão das estruturas sociais existentes, “fazendo do pobre não um objeto de caridade, mas sujeiro de sua própria libertação, ensinando-lhe a ajudar-se a si mesmo” (Med 14,10).

Puebla (1979), procura continuar o processo, fundamentando, explicitando e valorizando a dimensão teológico-pastoral, na busca de “assumir para redimir” (DP 400), fazendo-se presente na vida dos pobres e na sua resistência, mesmo com certa tentativa de minimizar a expressão “opção pelos pobres” de Medellín; Puebla usa “opção preferencial pelos pobres”, “amor aos pobres”, “opção evangélica, universal, piedosa”, sendo “as CEBs expressão da opção preferencial da Igreja pelo povo simples” (DP 643).

Já em Santo Domingo (1992), continua a falar-se de opção preferencial pelos pobres, expressada no amor aos pobres, mas que significa que “não é nem exclusiva nem excludente” (SD 178), com uma visão mais espiritualizada (segundo o termo “pobre em espírito”), com o convite, especialmente aos religiosos, de se comprometer nas lutas e na promoção mais humana dos excluídos, até chegar ao pleno conhecimento de Jesus Cristo (cf. SD 162), frente aos poderes deste mundo (cf. SD 50).

Aparecida fez também a opção pelos pobres e excluídos, retomando o pensamento de Medellín e Puebla, já que esta se encontra implícita na fé de um “Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza” (DA 292). Ressalta que devemos ter um amor especial pelos empobrecido, mas com uma postura de engajamento e não paternalista e assistencialista (cf. DA 397), “procurando, a partir dos pobres, a mudança de sua situação, pois eles são sujeitos da evangelização e da promoção humana integral (DA 399)” (BRIGHENTI, A. O documento de Medellín: uma ousadia que continua fazendo caminho, p.140), visto que “tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres, e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus Cristo” (DA 393). Para isso, convida-nos a olhar o “testemunho valente de nossos santos e santas, e aqueles que, até sem terem sido canonizados, viveram com radicalidade o Evangelho e ofereceram sua vida por Cristo, pela Igreja e por seu povo” (DA 98).

É impossível calar-se diante de tanta injustiça, exclusão e miséria que vive o povo latino-americano. São muitas as perguntas que nos questionam: Como o Brasil, um país tão grande em terras e riquezas naturais e o país mais “católico do mundo”, pode ser o país onde há a maior desigualdade social do mundo? Como ser autênticos discípulos-missionários de Jesus diante desse contexto? Sem dúvida, o que nos alenta são as iniciativas proféticas do “povão”, que vão, aos poucos, entranhando-se na hierarquia, que deixa-se evangelizar, notando que “enquanto houver pobres e Evangelho, continuará vigente o imperativo de se fazer da fé um compromisso de libertação” (BRIGHENTI, A. O documento de Medellín: uma ousadia que continua fazendo caminho,p.146).

Uma das minhas inquietações, como a de muitos, é de que a Igreja tem feito a “opção pelos pobres”, mas tem se esquecido, na maioria das vezes, de incluir “a partir dos pobres”, segundo sua realidade (rural, urbana, operária, universitária, periferias, etc.) e/ou faixa etária (criança, jovem, adulto, idoso). Vemos uma avalanche de teses, escritos e documentos ressaltando a opção pelos pobres (ou outra terminologia: opção preferencial, evangélica etc.), no entanto, com a tentação de uma linguagem “unificadora”, “racionalizante” (esquecendo a religiosidade popular, o sentimento, a particularidade de cada pessoa e de cada cultura) e “não-acessível”.

Tenho me dado conta de que a opção pelos pobres surge de uma opção radical pelo Evangelho e pelos valores-práxis deixados por Jesus a seus discípulos/as. E esta opção é pelos “pobres” pobres mesmos, aqueles que sofrem, são marginalizados, excluídos, não tem voz nem vez; e não minimizado pelos “pobres em espírito”, em seu sentido “espiritualizado”. Henri de Lubac, acertadamente, define que “quem se submeteu a uma ideologia, nunca está seguro de haver escolhido o partido certo. Quem optou pelos pobres, está sempre seguro, está duplamente seguro, de haver feito uma opção certa. Optou como Jesus. E optou por Jesus”.
 
 
* Trabalho apresentado à disciplina de História da Igreja na América Latina e no Brasil, sob orientação do profª Maria Cecília Domezi - EDT (Escola Dominicana de Teologia) - 1ºsem 2010

Um comentário:

  1. ENTENDO COMO OPÇÃO PELOS POBRES MATERIALMENTE FALANDO...OS EXCLUIDOS E EXPLORADOS POR UM SISTEMA DESUMANDO E EGOISTA.
    SE FOSSE PELOS POBRES DE ESPIRITO COMO QUEREM ALGUNS, A MAIORIA DOS RICOS ESTARIAM ENVOLVIDOS
    DE QUALQUER MANEIRA.

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