Por: Padre Alfredo J. Gonçalves, CS, Assessor das Pastorais Sociais.

Até aqui, nada de anormal. Do ponto de vista pessoal, os eventos são necessários para manter vida a chama do vigor profético e do entusiasmo; do ponto de vista sócio político, servem para dar maior visibilidade, e portanto maior incidência, à forças das organizações populares. Sem esses momentos fortes e significativos, as atividades rotineiras tendem a se diluírem, a se dispersarem e a se perderem e no anonimato e no esquecimento.
O problema se coloca quando tudo se reduz a meros eventos. De evento em evento, chega-se facilmente à pastoral dos espetáculos, dos shows ou do entretenimento. Nesta linha, não é difícil cair na armadilha da mídia, onde a notícia séria e reflexiva dá lugar à manchete sensacionalista. Mais que uma visão crítica, procura-se despertar sensações e emoções momentâneas. Não é raro que esse contexto da "sociedade do espetáculo" (Guy Debord) penetre e contamine as atividades sócio-pastorais com seus estridentes apelos publicitários.
Pior ainda é que a espetacularização da pastoral engendra, com freqüência, dois riscos interligados: primeiramente, um profissionalismo altamente nocivo, onde especialistas de grandes eventos muitas vezes decolam das bases e manifestam enorme dificuldade de aterrisar. Com isso, numerosos eventos são pensados e decididos em laboratório, caindo de cima para baixo e sobrecarregando o calendário das comunidades e movimentos. O resultado é que, enquanto os dirigentes tendem a alçar vôo, o dia-a-dia das lutas sociais se vê atropelado por campanhas, encontros, congressos, e assim por diante. Eventos esses não raro paralelos uns aos outros.
Em segundo lugar, há o risco de determinados movimento ou pastoral se converter em uma espécie de Organização não Governamental (ONG). Neste caso, a tendência é dar maior importância à estrutura da organização do que às reivindicações básicas dos setores mais necessitados da população. Ao invés de voltar-se para os anseios, lutas e sonhos desses setores, na configuração da ONG o que predomina, muitas vezes, é a manutenção efetiva da mesma.
O grande desafio, então, é estabelecer uma conexão fecunda entre a pastoral como um processo de reflexão, conscientização e ação, de um lado, e os eventos extraordinários, de outro. Na contramão dessa integração necessária, os eventos criam às vezes um ambiente tão grandioso e despertam expectativas tão elevadas, que seus participantes, ao retornarem às bases, podem sentir-se desiludidos e desencantados. O exemplo da caminhada das Comunidades Eclesiais de Base (CBS's) pode servir de ilustração. Os agentes pastorais e lideranças, nos grandes encontros de CEB's, recebem um banho festivo e celebrativo de entusiasmo e estímulo. Mas, ao regressar ao dia-a-dia de sua comunidade particular, se deparam com frustrações uma atrás da outra. A discrepância entre evento e processo de organização pode levar ao desânimo, quanto não à elitização de uma minoria "consciente", frente a uma maioria "alienada".
Como diminuir o impacto desse descompasso entre o evento e a pastoral cotidiana? Por uma parte, é importante que as sombras e turbulências da caminhada, e não apenas as luzes, tenham espaço nos eventos. E sejam aí enfrentadas, avaliadas e celebradas na espiritualidade da cruz e ressurreição. A alegria do domingo de Páscoa mergulha suas raízes mais profundas no contraste com o absurdo e a loucura da sexta-feira santa. Na vida de cada pessoa, movimento ou pastoral, dores e esperanças, tristezas e alegrias se mesclam e se confundem.
Por outra parte, é igualmente imprescindível que o entusiasmo festivo dos eventos tenha repercussão no cotidiano árduo e difícil das organizações de base. Aqui também fracassos e vitórias se misturam e remetem ao mistério da morte e ressurreição de Jesus. A alegria dos discípulos de Emaús, (Lc 24, 13-35), por exemplo, após o encontro com o Ressuscitado, fermenta os passos lentos e pesados do processo de organização, mobilização e transformação sócio-política.
Se é verdade que a Páscoa é colheita e a cruz semente, podemos afirmar que nos dias atuais não estamos em tempo de colheita. Somos chamados a semear. E a acreditar na maturação da semente no seio úmido e escuro da terra, cientes de que a planta cresce primeiro para baixo, antes de crescer para cima. Busca fortalecer as raízes no terreno turbulento e contraditório da história, antes de buscar o sol, o ar livre e o céu aberto. E principalmente, sabendo que, em geral, os que semeiam não são os que colhem.
Fonte: Revista Missões
boa reflexão
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