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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Lectio Divina do texto de Lucas 16,19-31 - 26º Domingo do Tempo Comum


Por Patrick Silva

“Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e dava festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, ficava sentado no chão junto à porta do rico. Queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico, mas, em vez disso, os cães vinham lamber suas feridas. Quando o pobre morreu, os anjos o levaram para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe Abraão, com Lázaro ao seu lado. Então gritou: ‘Pai Abraão, tem compaixão de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’. Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembra-te de que durante a vida recebeste teus bens e Lázaro, por sua vez, seus males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. Além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’. O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda então Lázaro à casa de meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Que ele os avise, para que não venham também eles para este lugar de tormento’. Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas! Que os escutem! ’ O rico insistiu: ‘Não, Pai Abraão. Mas se alguém dentre os mortos for até eles, certamente vão se converter’. Abraão, porém, lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, mesmo se alguém ressuscitar dos mortos, não acreditarão’”. (Lucas 16,19-31)

1. LECTIO – Leitura

Inserido na caminhada rumo a Jerusalém, o evangelho desta semana quer aprofundar o tema, que já foi abordado no último domingo. O tema da relação com os bens materiais. Trata-se de um tema não fácil de abordar, mas que o evangelista Lucas apresenta aos “caminhantes” com Jesus de uma forma clara. O texto apresentado, a história do rico e do pobre Lázaro é um texto que encontramos apenas no evangelho de Lucas. Não sabemos a fonte de inspiração do evangelista. De qualquer forma, estamos perante uma catequese (desenvolvida ao longo de todo o capítulo 16) em que se aborda a relação entre que o cristão deve ter com os bens deste mundo. Desta vez Jesus dirige-se aos fariseus (veja Lc 16,14), os quais representam todos aqueles que colocam o dinheiro em primeiro lugar e vivem em função dele.

É fácil entender que a parábola apresentada é composta por duas partes. Na primeira (vs 19-26), Lucas apresenta os dois personagens fundamentais da história, segundo um cliché literário muito comum na literatura bíblica: um rico que vive luxuosamente e que celebra grandes festas e um pobre, que tem fome, vive miseravelmente e está doente. No entanto, a morte dos dois muda radicalmente a situação. O que é que está aqui em causa? Atentemos nos dois personagens… Acerca do rico sabemos, apenas, que se vestia de roupa elegante e fina, e que dava esplêndidas festas. De resto, não se diz se ele era mau ou bom, se freqüentava ou não o templo, se explorava os pobres ou se era insensível ao seu sofrimento; no entanto, quando morreu, foi para um lugar de tormentos. Do pobre Lázaro sabemos que ficava junto ao portão do rico, que estava coberto de feridas, que desejava saciar-se das migalhas que caíam da mesa do rico e que os cachorros vinham lamber-lhe as feridas; quando morreu, Lázaro foi “levado pelos anjos ao seio de Abraão” (quer dizer, a um lugar de honra na festa presidida por Abraão. Trata-se do “banquete do Reino”, onde os eleitos se juntarão – de acordo com a tradição judaica – com os patriarcas e os profetas); não se diz, no entanto, se Lázaro levou na terra uma vida exemplar ou se cometeu más ações, se foi um modelo de virtudes ou foi um homem carregado de defeitos, se trabalhava duramente ou se foi um parasita que não quis fazer nada para mudar a sua triste situação… Nesta história, não parecem ser as ações boas ou más cometidas neste mundo pelos personagens (a história não faz qualquer referência a isso) que decidem a sorte deles no outro mundo. Então, porque é que um está destinado aos tormentos e outro ao “banquete do Reino”?

A resposta só pode ser uma: o que determina a diferença de destinos é a riqueza e a pobreza. O rico conhece os “tormentos” porque é rico; o pobre conhece o “banquete do Reino” porque é pobre. Mas então, a riqueza será pecado? Aqueles que acumularam riquezas sem defraudar ninguém serão culpados de alguma coisa? Ser rico eqüivale a ser mau e, portanto, a estar destinado aos “tormentos”?

Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre culpada. Os bens não pertencem a ninguém em particular; mas são dons de Deus, postos à disposição de todos os seus filhos, para serem partilhados e para assegurarem uma vida digna a todos… Quem não partilha os bens está defraudando o projeto de Deus. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa e sem cuidados, esquecendo-se das necessidades dos outros está a defraudando aqueles que vivem na miséria. O objetivo de Jesus é ensinar que não somos donos dos bens, mas apenas administradores, encarregados de partilhar com os irmãos aquilo. Esquecer isto é viver de forma egoísta e, por isso, estar destinado aos “tormentos”.

Na segunda parte do nosso texto (vs. 27-31), deseja mostrar que a Escritura apresenta o caminho seguro para aprender e assumir a atitude correta em relação aos bens. O rico ficou surdo às interpelações da Palavra de Deus e isso é que decidiu a sua sorte: ele não quis escutar as interpelações da Palavra e não se deixou transformar por ela. O versículo final (v.. 31) expressa perfeitamente a mensagem contida nesta segunda parte: até mesmo os milagres mais espetaculares são inúteis, quando a pessoa não acolheu no seu coração a Palavra de Deus.

2. MEDITATIO – meditação

O Evangelho apresenta uma proposta que podemos considerar demasiado radical. Será que não nos é permitido desfrutar daquilo que conquistámos honestamente? No entanto, convém recordar que cerca de um quarto da humanidade tem nas mãos cerca de 80% dos recursos disponíveis do planeta!

Como se posicionar face a esta proposta do Evangelho? Vejo os bens que Deus me concedeu como “meus, muito meus, só meus”, ou como dons que Deus depositou nas minhas mãos para eu administrar e partilhar?

É importante ter atenção, que ainda que não sejamos ricos materialmente, por vezes, podemos ter um “coração de rico”! Convém não esquecer que é a Palavra de Deus que nos questiona continuamente e que nos permite a mudança de um coração egoísta para um coração capaz de amar e de partilhar.

3. ORATIO – oração
Peça a força de Deus para não se “escandalizar” com a proposta do evangelho. É fácil rejeitar a proposta, fazer de conta de que não “fala para mim”, mas para ostros. Ore para que tenha a capacidade de ter um coração aberto aos outros para partilhar daquilo que conquistou.

4. CONTEMPLATIO – contemplação
Feche seus olhos e reveja este episódio do pobre Lázaro e do rico, pense em quantas situações semelhantes encontra hoje ao seu lado.

5. MISSIO – missão
“Muitas vezes julgamos ter caridade, quando, afinal, o que nós temos não passa de uma pura ficção.” José Allamano

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Um comentário:

  1. Muitas pessoas apostam que a plenitude da vida e da felicidade se encontra na riqueza; basta olhar a correria de pessoas por empregos ou negócios que ofereçam enormes salários, e sempre insatisfeitas com o que vão conquistando. É a diabólica pedagogia que tem dividido o nosso mundo em milhões de “lázaros”, obrigados a catar lixo, a comer sobejos que caem das mesas dos ricos, ou morrer de fome. Uma pedagogia que, infelizmente, parece ter se transformado em religião no nosso mundo e que é uma das razões dos piores males da humanidade. Que, pelo menos, temos uma notícia boa este ano, segundo a ONU, o número de famintos crônicos diminuiu 9,6%. Em 2009, eram mais de 1,02 bilhão de pessoas que sofriam de fome crônica, a este são 925 milhões. Ainda assim, é uma vergonha não ter se extinguido por completo a fome e a miséria num mundo cada vez mais cheio de cifras bilionárias.

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